domingo, 10 de maio de 2009

Último dia no escritório

Ainda era meio da tarde quando colocou os últimos pertences da gaveta dentro da caixa de papelão. Olhava para os colegas com um sorrisinho sem graça, já nostálgico daqueles dezessete anos compartilhando trabalho e happy hours. Lembrou-se de seu primeiro dia no departamento, da estranheza do lugar, de como João e Alfredo foram bacanas mostrando como é que se fazia o serviço básico. Agora, tanto tempo depois, poderia chegar a sua mesa de olhos fechados, sem titubear, ligar seu computador e até digitar um memorando se fosse preciso. Neiva, uma escriturária mais antiga que ele na casa, parou ao seu lado e deu-lhe um abraço solidário de quem espera que tudo corra bem "em sua nova jornada". Ernesto agradeceu comovido e disse que sentiria falta de jogar conversa fora com ela, enquanto o café descia queimando goela abaixo. Dona Maria se abaixou por baixo da mesa e esvaziou pela terceira vez no dia seu lixo lotado de memórias de que agora ele se desfazia. Olhou para o relógio, que já marcava 17h30. Checou todo o procedimento de saída: backup dos arquivos, ok; gavetas limpas, positivo; doação de livros e objetos de mesa para os colegas, feito; email de despedida, enviado. Não faltava mais nada, era se levantar, abraçar os mais chegados e tomar o rumo da porta. Foi o que fez, elegendo João, Alfredo, Antonia e Luisa para os abraços derradeiros. Depois, sob aplausos e votos de "boa sorte" e "sucesso", Ernesto passou pela porta com um aperto no coração. Fechou a porta atrás de si e depositou sua caixa sobre o tampo de sua nova mesa. Dentro da sala-aquário de vice-presidente, isolado do burburinho do salão a que ele se acostumara, Ernesto respirou fundo e pelo vidro, olhou comovido para seus ex-colegas, agora seus subordinados. Parecia que estes já olhavam para ele de um jeito diferente, sustentando sorrisos sem graça de aprovação. Foi nesse instante que ele percebeu que nada mais seria como antes.

Um comentário:

  1. As vezes ganhamos de um lado e perdemos de outro... Parece que na vida, para termos alguma coisa boa precisamos abrir mão de outra. Será que é verdade mesmo que é preciso sempre fazer um sacrifício para ganhar um benefício?

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