segunda-feira, 11 de maio de 2009

Crescer no interior

Há muitas coisas que definem uma infância passada numa cidade do interior - no meu caso, coisas de uns 30 anos atrás, que na maioria nem se aplicam mais aos dias de hoje. Mas enfim, naquele tempo crescer no interior era comer goiaba e chupar manga no pé - o que até hoje me faz estranhar ter que pagar por elas no Pão de Açúcar. Crescer no interior era ir a pé para escola contando a distância em quarteirões e não em minutos ou horas como aqui em São Paulo - e sem variações por causa do trânsito. Crescer no interior era comprar carne em açougues de carroça - bom, isso nem sei se existiu em outras cidades e só mostra o quanto estou velho. Crescer no interior era afiar faca na porta de casa, com o afiador que se anunciava com um apito que imitava uma flauta. Crescer no interior era comprar refrigerante no bar da esquina, levando engradado vazio para trocar na compra - e sempre cruzar com os vizinhos bebuns de sempre até que a bebida os levasse daquele mundo. Crescer no interior era juntar todas as crianças da vizinhança para jogar queimada, mãe da rua, vivo-morto, esconde-esconde, passa-anel, telefone sem fio e todos os nomes equivalentes dessas brincadeiras quase extintas. Crescer no interior era esperar sua mãe chamar para tomar o café da tarde, sempre com bolinhos de chuva ou pães feito em casa deliciosos, saídos do forno. Crescer no interior era saber que o seu pai havia chegado ao ouvir o cachorro começar a latir assim que o carro dele dobrava a esquina. Crescer no interior era jogar bola na rua, no quintal, no terreno baldio, no campo de várzea, no pátio do depósito sem segurança, enfim, onde houvesse qualquer espaço livre e qualquer bola que rolassse mais ou menos - e não julgar garotos de rua que se aproximavam como marginais e sim como possíveis parceiros de pelada. Crescer no interior era sair para a rua de banho tomado no final da tarde e encontrar todos os vizinhos sentados em cadeiras que cada um colocava na frente de sua casa para observar o movimento e bater papo. Crescer no interior era chegar na capital e passar mal dentro do carro ao sentir o mal cheiro do Rio Tietê. Crescer no interior era sentir um alívio ao chegar de viagem e reencontrar seu cachorro saudoso, que ficara aos cuidados do vizinho. Crescer no interior era poder sair de casa 10 minutos antes da sessão de cinema começar e, pasmem, ainda conseguir um ótimo lugar na platéia. Crescer no interior era não ter a menor idéia do que fosse um condomíno fechado - até porque naquela época ainda nem deveria existir. Crescer no interior era muitas, muitas coisas boas. Ai, que saudade...

2 comentários:

  1. Pena que hoje em dia mesmo crescendo no interior, a vida não é mais a mesma. A violência já tomou conta de tudo. Adoro ler seus textos, e se vc preferir posso ficar só na leitura mesmo, sem comentários. Vc escreve tão bem e eu me enfiei no seu blog com meus comentários... hehehe

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  2. Tudo bem, seus comentários são bem-vindos.
    Bjs

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