domingo, 26 de fevereiro de 2012

Mi San Pablo querido

Neste último carnaval fugi da festa. Não como a cruz foge do diabo, foi um pouco involuntário, mas acabei indo pra Buenos Aires, pela terceira vez. Gosto da capital argentina e não compartilho do ódio aos hermanos, nem acho-os "nariz empinado". É natural que os habitantes de qualquer cidade muito turística nutram uma relação de amor e saco cheio com os forasteiros. E Buenos Aires tem uma baita vocação turística, avenidas e calçadas largas, edifícios imponentes ao estilo europeu,respira ares que justificam seu nome. É justamente esse bem viver que atrai tantos paulistanos como eu, cansados de levar porrada da cidade onde vivem. Esses maus tratos ficam evidentes quando você chega em uma capital sul-americana de porte numa sexta-feira e encontra o caminho do aeroporto ao centro completamente livre. E durante o trajeto do transfer, ouve a guia alertar sobre cuidados com trombadinhas e golpes com notas falsas com uma ênfase que beira o melodrama, e reage com um desdém de gato escaldado. Esse alerta se justificaria mais tarde, quando um taxista tentou enganar um amigo meu e levou um dedo na cara e uma coleção de insultos que deve fazê-lo repensar suas estratégias de extorsão. Mas naquele momento de chegada, só pensei que a guia "só poderia estar brincando" ao advertir paulistanos sobre os perigos das ruas. Cheguei a quase puxar minha carteirinha de assaltado, me gabando de que nesse assunto, nós paulistanos somos hor-concours. Basta você andar um pouco de táxi e conversar com os ladinos motoristas portenhos, para observar que ao passo que eles se orgulham de sua cidade e de seu passado glorioso, nós só temos a nosso favor o câmbio e o propalado boom econômico brasileiro. Mas cidadania não se constrói com dinheiro e, quem já esteve aqui e lá sabe que estamos a anos-luz de civilidade dos portenhos. Aquele ar melancólico de um país que esteve com um pé no primeiro mundo e não cacifou, dissimula um orgulho de morar sim no pedacinho mais europeu fora do velho mundo. Enquanto isso, nós brasileiros continuamos a cair no oba-oba da propaganda oficial, que ainda insiste em espalhar aos quatro ventos que somos o país do futebol, das mulheres e praias mais belas, e agora, da quinta economia do mundo. Eu trocaria tudo isso por ruas mais livres e limpas, melhor transporte público, segurança e gentileza, para ficar só na comparação que compete a um turista. Não vou comparar níveis de corrupção e saúde pública, porque são chagas comuns a países sul-americanos. Mas também não vou me eximir de auto-crítica pela passividade com que aceitamos viver uma vida porca. No coração de Buenos Aires, a Plaza de Mayo, aquela onde as mães ainda protestam pelo desaparecimento de seus filhos na ditadura, você vê uma cerca móvel de ferro, usada pela polícia para conter manifestantes. Justa e propositadamente, um dos maiores pontos turísticos da cidade é maculado pela lembrança do sofrimento argentino, passado e atual. É um preço pequeno a pagar por uma vida mais decente, provavelmente conquistada por cidadãos que não se curvam aos desmandos de bandidos, dentro ou fora do governo.