domingo, 18 de dezembro de 2011

O primo bastardo pobre


A arte em geral já é a prima pobre das atividades humanas.
O que dizer então da dança?
A dança está ali segurando a lanterninha, abaixo até da desprestigiada e surrada literatura.
Digo isso sob a fresca memória de ter participado de uma dessas apresentações de final de ano de escolas de dança.
Tirando as competições de artistas da tv, o que dá sustento e divulgação aos heróis que não deixam o samba (a dança) morrer?
Paixão e teimosia, só pode ser isso.
Porque eu vi organizarem essa festa para pais e amigos de alunos como se fosse, guardadas as proporções, espetáculo Broadway.
E se a dança não promete lucro, fama, carreira artística, etc, então por que se insiste em manter essa tradição?
Ora, porque é tradição.
E porque é arte.
Arte na sua expressão mais compromissada com resultados e desapegada de interesses.
Uma vez, durante uma almoço, conversava com um ilustrador sobre um diretor de arte que largara a carreira em agência para se tornar artista plástico.
O ilustrador previa o insucesso da empreitada, afirmando que não via no diretor de arte um verdadeiro artista.
Não em relação ao seu talento, que é inegável.
Era um problema de timing e, principalmente, de dinheiro.
Tivesse o diretor de arte nascido rico ou já garantido o futuro àquela altura da carreira, talvez ele ainda pudesse dar uma revirovalta em sua vida.
Mas não era o caso.
O diretor de arte realmente não suportou ver suas economias de anos minguarem em materiais de pintura e escultura.
E sem conseguir entrar no mercado e tirar dele seu sustento, acabou voltando às agências.
Uma pena.
Ou talvez não, já que o verdadeiro artista se define por sua pré-disposição ao perrengue.
Artista faz por necessidade, como quem respira sua arte.
Como os professores que prepararam e ensaiaram as apresentações de fim de ano.
Então é mais do que justo que eles tenham sua reserva de mercado.
Que brilhem no palco os verdadeiros artistas.
Não os produtores, os marketeiros, os businessmen.
Até porque, pelo menos na dança amadora, não há.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Game over


Ah, o fim de ano.
Tempinho esquisito esse.
De repente um cansaço esperado de 11 meses de labuta - e principalmente de projetos que não deram em nada - recaem sobre os seus já sobrecarregados ombros, convidando-o ao ócio da nulidade.
Não sei com você, mas é assim que acontece comigo.
Um estado de letargia chega e sem pedir licença se instala, fazendo água em qualquer tentativa de sprint final.
A essa altura já estou checando as metas e claro, percebendo que nem 50% foram alcançadas.
Ok, posso ter sido muito exigente comigo ou ter superestimado minha capacidade realizadora.
Provavelmente as duas coisas, fazer o quê, meta é meta, não é comprar pão na esquina.
Mais uma vez as horas de dedicação aos novos projetos foram devidamente ocupadas pelas distrações inadiáveis do presente.
O presente que, graças ao aquecimento global e outras ameaças apocalípticas, se assemelha a um sorvete que escorre implacável pelas mãos.
Compreensível.
As conquistas e não conquistas de 2011 foram devidamente comemoradas, espalhadas por um mix de 365 dias de acertos, erros, sonhos e atos pragmáticos.
E agora, bem, agora é curtir as festas de fim de ano e repetir todo aquele ritual bizarro de pular sete ondas, comer lentilha e prometer ser um bom menino.
Ah, quero mais é também comer ceia e arrotar peru, acreditando que 2012, esse sim será o ano da redenção para todos aqueles que como eu, sonham acordados.
Mas vou deixar para pensar isso bem depois.
Ainda há compras de presentes e panetones que nesse fim de ano se incorporam às "metas" e tiram qualquer esperança de ver um último projeto cumprido na bacia das almas.
Paciência.
Fim de ano é como aquela fase adiantada da partida de videogame, onde você se vê com muitos inimigos para matar e poucas vidas sobrando.
Melhor dar um reset.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Autores



Um assunto que fascina as pessoas é a crença em destino.
Também referido como "cartas marcadas", na visão dos crentes o destino seria algo como a materialização de um patrimônio genético congênito, que determinaria nossos passos do nascimento à morte.
É como se nossa vida fosse um DVD sem acesso livre às cenas, onde a ordem cronológica nos impediria de navegar livremente pelos episódios passados e futuros.
Tudo bem, porque saber o final do livro tiraria boa parte de sua graça.
Embora saibamos que no final o mocinho sempre morre.
Mas gracinhas à parte e voltando ao assunto, lembro de uma conversa que tive com um amigo, na qual ele reafirmava sua crença no destino.
E quando interpelado por mim, um defensor do livre arbítrio, meu amigo disse na ocasião que "se alguém pudesse mudar seu próprio destino, que seria seu destino fazê-lo".
Uma resposta paradoxal que traduz a falta de conclusões para o tema.
Mas nem por isso o assunto se encerra.
Fato que o destino não pode ser analisado destituído de sorte, acaso, fatalidade.
Mas esses fatores também não podem determinar "todo" o destino.
Explico: minha visão de destino é mais pragmática, pois embora existam limites, todo sonho deve ser perseguido como uma meta factível.
Nesse contexto, destino é o que a gente consegue fazer, dentro do que a gente quer e deixam fazer.
E isso pode ser programado e - por que não? - antevisto.
A todos é dada a oportunidade de escrever a obra-prima da própria vida.
Cabe a cada um fazer dela um clássico.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Primeiro bailarino do mundial


O tio Muricy diz que estudou demais e chegou à conclusão de que o time do Barcelona é "imparável".
Então já autorizou a molecada a soltar o freio de mão e "ir pra cima dos caras", como diria o Sidão.
No dia 5 de dezembro, confesso, serei santista desde criancinha.
Porque o Santos é, com exceção dos gambás, que tantas chacoalhadas levaram deles nos últimos anos, o segundo time de quase todo mundo aqui de São Paulo.
Porque estarei torcendo pelo verdadeiro futebol peladeiro-praiano de Neymar, Ganso e cia, que vão mais uma vez mostrar o valor dessa gente bronzeada.
E porque, last but not least, meu verdão anda mais verdinho do que nunca.
O futebol pode não ter mais o romantismo de antigamente, os craques já não tem mais amor à camisa - só à camisa Armani -, mas eu tenho muita esperança de que a molecagem da Vila resgate o nosso futiba da covardia de 2010.
No dia 5 vou estar com o amigo Fabinho - que no último fim de semana tentou sem sucesso me arrastar ao alçapão da Vila pra ver Neymar - para acompanhar o show do ano.
Que U2 que nada.
A pirotecnia vai ceder passagem ao balé de pé em pé dos meninos, com liderança do primeiro bailarino Neymar.
O Santos pode até levar uma ensacada do Barça, desde que não seja se encolhendo.
Que caia de pé depois de dar um bela pirueta no ar.
Ou na melhor hipótese, quem sabe consiga abafar a sinfonia da Catalunha com a ensurdecedora bateria regida por mestre Ramalho.

sábado, 29 de outubro de 2011

E vai rolar a festa


Você já deve ter tido essa sensação pelo menos em algum longínquo dia da adolescência.
Uma grande festa, show ou evento vai rolar e nada de convite para você.
Ou por ser muito restrita, ou por você não ser um "chegado" do organizador, ou pelo abusivo preço do ingresso, o fato é que seu visto de entrada foi negado.
Sua fantasia de patinho(a) feio(a) lhe cai muito bem nos dias que antecedem o evento.
Mas será isso apenas um complexo de inferioridade trazido à tona pela exclusão?
Ou, melhor dizendo, você é o único culpado pelo seu próprio desconforto?
Suponho que não.
Apesar de nossa natureza gregária, há uma diferença entre pertencer de fato a um grupo e se sentir pertencente.
Algumas modernidades como as redes sociais prometem o pertencimento, mas pecam pela artificialidade.
Fazem menos pelo sentimento de coletividade do que as reuniões de condomínio.
Alguns dizem que as redes sociais aproximaram os que estão distantes e distanciaram os que estão próximos.
Mas mesmo no caso dos que estão distantes, será que substituem, em calor humano e espontaneidade, uma boa conversa ao telefone?
Outro fator moderno que enfatiza a necessidade de pertencimento é a publicidade.
Principal motor do capitalismo, a publicidade bate na tecla do consumo como passaporte de entrada para mundos exclusivos.
Uma ilusão a que mentes despreparadas, principalmente as mais jovens, cai como patinhos.
Naquela fase da vida em que é preciso pertencer desesperadamente, os tênis da moda cumprem o papel de paliativo de ingresso ao seu grupo.
Na verdade a mídia apenas reflete uma cultura deturpada.
Onde valores como honestidade, caráter, lealdade, personalidade são subjugados por malandragem, exibicionismo, mau-caratismo, interesse.
Hoje em dia todo mundo ambiciona estar nas altas rodas, posar de famoso, bem-sucedido, ao lado de celebridades, empresários bem-sucedidos, etc.
Pertencer às elites endossa o meu valor, independente de quão falsa seja essa transferência e do vazio que eu ainda sinta.
Portanto, antes de querer fazer parte de um grupo, é preciso refletir sobre o desejo que o motiva a pertencer.
Pode ser legítimo, motivado pela identificação com seus valores.
Mas também pode ser fabricado, pela necessidade de preencher um vácuo de identidade criado e sustentado pela sociedade decadente.

sábado, 22 de outubro de 2011

Não precisamos

Você chegou da cidadezinha do interior de mala e cuia, com dinheiro contado, porém abastado de fé no futuro.
Morou na pensão perto da rodoviária, de favor na casa de parentes ou amigos, na república com mais 5 ou 6 calouros ou veteranos.
Consegue se formar, arruma seu primeiro estágio, com sorte seu primeiro emprego e pouco a pouco vai provando aos que ficaram na sua hometown que você não estava errado.
Seus sonhos vão se tornando realidade e sua conta bancária cresce proporcionalmente, assim como seu padrão de vida.
Pode não ter se tornado um ícone na sua área, mas é sim um bom profissional e deixou para trás milhares de candidatos que um dia cobiçaram sua posição.
Mas ao mesmo tempo que se sente realizado, tem que lidar com a ambiguidade de querer manter o que conquistou e o desejo de jogar tudo para o alto, para explorar praias ainda virgens da sua vida.
De um lado, novas situações como a formação de uma família, mantém seus pés cravados no chão.
De outro, ter feito a mesma coisa por 15, 20 anos faz você sonhar com novos horizontes, sejam eles profissionais, geográficos e até de estado civil.
Fato é que todo mundo tem a oportunidade, se é que não tem a obrigação, de se questionar a respeito da própria vida, visto que uns 80, 90, 100 anos aqui é tudo que nos foi dado.
Àqueles que chegaram à conclusão de que precisam mudar de rota, deve ser dada a oportunidade do erro, posto que o maior deles é não fazer a tentativa.
E ao partir em direção à nova jornada, que eles reúnam a sabedoria do desapego, para que deixem para trás tudo que foi construído, ou destruído, em tempos passados.
Que eles se lembrem de um tempo longínquo, onde os dias eram preenchidos com tardes livres, peladas com os coleguinhas, bolinhos de chuva e beijos de boa noite.
Onde não havia negociação de mesada e ninguém precisava ter bicicleta do ano.
É só parar para pensar para concluir que não precisamos de quase nada a mais do que já tínhamos naquela época.
E que mesmo no auge da maturidade, uma nova infância é sempre possível.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Como os heróis devem morrer.



Steve Jobs se foi.
Um gênio, visionário, revolucionário.
Sem querer me estender em sua trajetória, consequências mercadológicas de sua morte ou mais do que se comentou hoje, me concentro em um detalhe que me chamou atenção: a devoção dos fãs.
Era de se esperar que fizessem vigília nas portas das lojas como em tantos lançamentos de produtos da maçã.
Com buquês de flores deixados, velas virtuais em telas de iPads e outras demonstrações de carinho.
Mesmo assim me surpreendeu como um empresário do setor de tecnologia se despediu assim, com status de popstar.
Provou que Jobs está mais para um artista dos nossos tempos, um Van Gogh das telas de cristal líquido que convidam a pinceladas efêmeras e colaborativas.
Sua despedida acalorada faz todo o sentido para gerações que cresceram na internet, desfrutando de interfaces cada vez mais inteligíveis, que aproximaram o homem da máquina ao mesmo tempo em que distanciaram os homens entre si.
Além de tudo Jobs se foi relativamente cedo, aos 56 anos.
E se não foi por overdose de drogas, sucumbiu à doença mais terrível, da qual nem o mais rico ou famoso consegue escapar.
Pode não ter quebrado quartos de hotel, dormido com groupies ou espancado namoradas e esposas.
Mas fez algo mais difícil, deu personalidade a frios gadgets e voz a legiões de nerds, que enfim podiam declarar sua idolatria a um igual, sem medo de bulying.
O difícil agora vai ser o inquieto Steve descansar em paz.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sonho de onipotência


Dias como o de hoje, em que cheguei tarde da noite em casa maldizendo minha incapacidade de resolver meus problemas no tempo regulamentar de um dia útil, lembro com saudade da infância.
Infância, tempo em que já reclamávamos de nossas curtas férias, algo em torno de míseros quatros meses anuais - o que poderia ter perdurado, já que hoje trabalhamos esse mesmo período de graça para o governo.
Infância, época de acreditar em super-heróis, dos humanos aos sobrenaturais, passando pelos humanos com poderes sobrenaturais.
Infância, aquela fase onde acreditamos possuir toda a potencialidade do mundo, que num dia muito, muito distante, iria se cumprir além das nossas expectativas.
Infância, do tempo que bulying nem era condenável, aliás nem existia, ou se existia era coisa de maricas.
Infância, um tracinho na linha da minha vida onde todos os amigos que nunca mais encontrei permanecem vivos como um bando de Peter Pans.
Infância, garantia de ser interrompido em minhas brincadeiras para comer bolinho de chuva e ainda recusar, como se não fosse um luxo.
Não que a gente queira fazer o caminho de volta, longe disso.
Deixe a infância como ela está.
Melhor mesmo que ela fique sedimentada na memória como lembrança de conto de fada para aonde a gente pode fazer um bate-e-volta de vez em quando.
Sim, deixem que McGyver continue a reinar como semi-deus onipotente das fantasias juvenis.
Não, eu não quero que o tempo pare, muito menos que ele volte atrás.
Tudo que eu queria é que o despertador tocasse uma hora mais tarde amanhã.

sábado, 3 de setembro de 2011

Populismo

O populismo tem seus perigos e um deles é o de distorcer os feitos do adversário em favor de si mesmo, criando um falso maniqueísmo com vistas à permanência no poder. Por isso é necessário ouvir o que o outro lado tem a dizer, principalmente se este lado já não está cercado das facilidades dos holofotes. Sem tomar partido e também sem trocadilhos, pois já votei no PT e porventura ainda posso votar, transcrevo um já antigo texto de Fernando Henrique Cardoso, que acredito ainda vale a pena ser lembrado.


Sem medo do passado – Carta aberta de Fernando Henrique Cardoso a Lula
Fernando Henrique Cardoso

O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária, distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas está o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse “o Estado sou eu”. Lula dirá, o Brasil sou eu! Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.

Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos. Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira. Deu passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então, baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?

A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês…). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.

Na campanha haverá um mote – o governo do PSDB foi “neoliberal” – e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa. Mas os dados, ora os dados… O que conta é repetir a versão conveniente. Há três semanas Lula disse que recebeu um governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade da moeda, da lei de responsabilidade fiscal, da recuperação do BNDES, da modernização da Petrobras, que triplicou a produção depois do fim do monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade, chegou à descoberta do pré-sal.

Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de R$ 6 bilhões e, junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e recuperados para a execução de políticas de Estado.

Esqueceu-se dos investimentos do programa Avança Brasil, que, com menos alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de obras essenciais ao país. Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal, de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada, de que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no país.

Esqueceu-se de que o país pagou um custo alto por anos de “bravata” do PT e dele próprio. Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir socorro ao FMI – com aval de Lula, diga-se – para que houvesse um colchão de reservas no início do governo seguinte. Esqueceu-se de que foi esse temor que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à custa de tudo que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.

Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto “neoliberalismo” peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista. Vejam o que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras, citado por Adriano Pires, no Brasil Econômico de 13/1/2010.

“Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobras produzia 600 mil barris por dia e tinha 6 milhões de barris de reservas. Dez anos depois, produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz dela”. (José Eduardo Dutra)

O outro alvo da distorção petista refere-se à insensibilidade social de quem só se preocuparia com a economia. Os fatos são diferentes: com o Real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário mínimo. De 1995 a 2002, houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação, não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.

Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa-Família), vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram em um município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para Estados (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo. O Bolsa-Escola atingiu cerca de 5 milhões de famílias, às quais o governo atual juntou outras 6 milhões, já com o nome de Bolsa-Família, englobando em uma só bolsa os programas anteriores.

É mentira, portanto, dizer que o PSDB “não olhou para o social”. Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel à realidade; o programa da aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família, pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa “Toda Criança na Escola” trouxe para o Ensino Fundamental quase 100% das crianças de sete a 14 anos. Foi também no governo do PSDB que se pôs em prática a política que assiste hoje a mais de 3 milhões de idosos e deficientes (em 1996, eram apenas 300 mil).

Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças. Mas se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.

Fernando Henrique Cardoso
Do Manifesto em Defesa da Democracia

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O coração


O maior conselheiro que tenho na vida não diz palavras sábias, só um "tum-tum" ininterrupto.
É ouvindo esse "tum-tum", que quando acelera para um "tum-tum-tum-tum" geralmente quer dizer sim, que procuro tomar as decisões mais importantes.
Não é aconselhável ouvi-lo para fazer opções, por exemplo, financeiras. Mas mesmo nessa praia que não domino, o coração também tem lá suas razões, que a própria razão desconhece, para aprovar ou não uma atitude.
Costumamos atribuir à intuição as boas escolhas que fazemos, acreditando que esta reside em algum canto obscuro, inexplorado do cérebro. Mas por que não se considera que esse mocó pode estar dentro do coração?
Pois se considerássemos que o coração tem sim uma inteligência, a ele não caberia apenas as escolhas do amor, que quando tidas como equivocadas, relegam ao órgão o papel de ludibriado da história.
O coração é músculo involuntário, mas as escolhas feitas por sua indicação não tem nada de involuntárias.
Pelo contrário, costumam ser as mais acertadas.
Portanto, evitar entupir seus vasos não representa apenas precauções médicas, mas também não se fechar aos seus conselhos.
A meu ver, existem duas maneiras de se morrer do coração.
Uma é a morte fatídica a que estão mais sujeitos os cardíacos.
A outra, é a morte em vida daqueles que não mais o escutam.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Nosso 11 de setembro


Minha irmã está vindo com a família para São Paulo e perguntou se eu estaria em casa no dia.
No caso, 11 de setembro.
Lembrando disso, agora me dou conta que já faz 10 anos do evento fatídico.
E que também já faz quase 11 anos da virada do ano 2000, que se não foi a virada real do milênio, o foi emblematicamente.
Para minha mãe, os reveillons são sempre complicados, desde que minha avó se foi exatamente num 31 de dezembro.
Enfim, para todo mundo devem existir várias datas fatídicas marcantes, seja por morte de parentes e amigos queridos, por fim de relacionamentos, por esquecimento de aniversários, por tragédias mundiais.
Para mim, o esquecimento do 11 de setembro vindouro me fez pensar que, se a data está longe de ser desprezível no calendário, ela o é pela distância dos nossos próprios problemas cotidianos.
Por aqui as maiores ameaças à nossa integridade física continuam sendo assaltantes, motoristas bêbados, doenças respiratórias pela má qualidade do ar, stress urbano, tributação abusiva.
Problemas de terceiro mundo ao qual o Brasil ainda pertence, embora a direita econômica festiva insista em apregoar o contrário.
Resumindo, o desafio continua sendo sobreviver a cada dia com a maior dignidade possível, driblando os motoqueiros desavisados e desfrutando nossas poucas horas livres diárias da maneira mais criativa e libertária.
Tragédia de tupiniquim é não conseguir fechar a conta no fim do mês.


sábado, 23 de julho de 2011

Para todo mal, uma cerveja.


Um colega de escritório costuma escrever uma página de texto por dia como terapia para angústia metafísica.
Há quem reze, medite, soque, dance, grite, trepe, plante bananeira, entre em greve de fome.
Há curas oficiais como psicoterapia, psicanálise, psiquiatria.
E as extra-curriculares como acupuntura, shiatsu, rpg, pilates, reza brava, simpatia, trabalho espiritual, drogas, uma boa noite de sono.
Por certo deve existir uma cura para cada um, para aliviar os efeitos psicomáticos da mera existência.
A figura acima é emblemática de cura, principalmente para a maioria das pessoas comuns.
Para elas, a cura está em invocar Brahma.
E dois copos, por favor.

sábado, 25 de junho de 2011

Finitude


Não sei se por conta de morte recente na família, da leitura do livro "Não me abandone jamais" (indicado pelo amigo Nick) ou dos exames que venho adiando para averiguar o nível de colesterol ruim. O fato é que o tema da morte voltou à baila esses dias.
A morte, a maledeta. Esse destino com temos tanta dificuldade de lidar. Que na verdade é a dificuldade de encarar a própria condição humana.
Nos últimos anos, o homem pode ter avançado sua compreensão de mundo de uma maneira nunca verificada, mas sobre o grande mistério fundamental, o sentido da vida, continuamos na mesma estaca zero de sempre.
Ainda que abramos mão de responder ao "De onde viemos?" e "Quem somos?", o "Para onde vamos?" restará como uma luz de alerta piscante lá no fundinho do subsconsciente. Da qual infelizmente, embora tentemos ignorar, não conseguiremos nos livrar.
Na verdade, fazemos mal uso da morte. Em vez de aceitá-la e usá-la como guia para uma vida mais plena, fazemos de conta que não tem a ver com a gente. Pelo menos por agora.
Mas a verdade é que somos tão mortais quanto o moribundo do hospital, o mendigo no relento ou o fuzileiro no Afeganistão. Só nos enchemos de distrações para esquecer que somos.
E quantas vezes tentamos nos agarrar a certezas que nos dêem ilusão de perenidade, como fortuna, fama, obras, relacionamentos.
Não que não precisemos escrever a história de nossas vidas.
Pelo contrário, a cada um cabe escrevê-la da melhor forma possível.
E aí reside o paradoxo, pois a consciência da morte é condição para uma vida mais plena.
É como viver com um olho no peixe e o outro no gato.
Sabendo que mais cedo ou mais tarde o gato irá atacar.
Então é melhor saborear cada mordida no peixe como se fosse a última.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Não pare pra pensar


Às vezes as pessoas riem de mim por me achar um completo "viajandão", principalmente quando estou perdido em meus devaneios e deixo transparecer isso.
Eu sei porque isso acontece e acho graça.
Sei que a todo momento estou trazendo à tona questionamentos nas quais as pessoas não estão interessadas ou não querem se interessar.
Mas de vez em quando encontro um ou outro disposto a compartilhar minhas dúvidas.
E aí percebo que na verdade, discutir dúvidas existencialistas é apenas uma escolha.
Mas essa escolha só pode ser feita por quem está preparado.
Por quem decidiu não se deixar encaixar a um modelo pré-concebido de existência, de felicidade, o que quer que seja.
Ou pelo menos se deixar ajustar a algum desses modelos de uma maneira consciente.
Porque livres, infelizmente, não somos.
É só pensar no seu porteiro. Você acha que ele tem escolha?
Os idealistas dirão que sim, mas eu duvido. E não por condição sócio-econômica. Mas porque o próprio nível de consciência do porteiro provavelmente não lhe permite.
Mas você, que é bem nascido e estudou, pode questionar?
Nem sempre.
Talvez por incapacidade ou preguiça.
Estão aí as patricinhas, os Big Brothers, os incautos, que não me deixam mentir.
A maioria de nós é presa fácil da lavagem cerebral dos mecanismos de controle de vida impostos.
Seja ele a religião, a família, o sistema capitalista ou as regras de inclusão do seu grupo social.
Esses mecanismos nos controlam desde que nos conhecemos por gente.
De modo que a possibilidade de "desmoldar" o já moldado é uma incógnita.
Será possível mudar nossa percepção de vida?
Seremos atores de outros "eus" que nem conhecemos?
Não sabemos.
E talvez façamos um esforço enorme para no final perceber que foi em vão.
Porque dizem que até os monges não atingem a iluminação.
Por isso talvez toda essa reflexão não valha a pena.
Por isso eu aconselho, se você ainda não começou, nem pense nisso.
É uma viagem sem volta e muito provavelmente sem destino.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Mania de explicação


Você conhece "Mania de explicação" da Adriana Falcão?
É um livro infantil "lindinho" sobre uma garota que tem explicações muito pessoais sobre as coisas da vida, usando metáforas poéticas inspiradíssimas para traduzir sua visão de mundo.
É um achado, uma grande sacada da autora, que torna o livro muito recomendável também para os adultos.
Bom, mas esse preâmbulo foi somente para falar do contrário, que são as explicações nada poéticas e totalmente dispensáveis do dia a dia.
Como por exemplo as justificativas do mundo corporativo.
Nesse mundinho já ficou institucionalizado que todo e qualquer assunto precisa de uma explicação que a justifique.
Se esse comportamento antes era restrito a áreas onde a formalidade impera, como no ramo da advocacia ou engenharia, hoje a mania de explicação está disseminada em todo tipo de negócio, mesmo aqueles onde a subjetividade deveria se sobrepor.
É o caso da minha área de atuação, a propaganda.
Na rotina atual de uma agência de propaganda, a divisão do tempo empregado está mais ou menos assim: 5% para a criação de idéias e 95% para justificativas e reavaliações.
Se de um lado pouca energia é empregada em inovação, gastamos uma Itaipu diária em encontrar explicações tangíveis para sustentar a mínima idéia junto ao cliente.
O que reflete a incapacidade das pessoas de tomarem decisões sem atribuir a outrem a responsabilidade por elas.
O bom e velho feeling, que nos tempos românticos eram bons guias para tomadas de decisões, hoje foram substituídos pelos achismos cientificamente provados dos institutos de pesquisa.
O que não significa que deixemos à mercê deles a decisão final. As pesquisas servem para apoiar preferências, mas nunca para desdizê-las. Nesse caso é melhor pesquisar de novo, pois "algo deve ter saído errado".
Fico imaginando se essa moda ultrapassar os portões corporativos e se inserir no comportamento social de maneira generalizada.
Simples propostas como um convite para ir ao teatro ou ao cinema exigirão a montagem de Power Points apontando as vantagens e desvantagens de cada uma para o convidado.
Nenhum filho torcerá mais por um time influenciado por um pai ou um tio mais fanático. Daqui para frente os garotinhos serão submetidos a análises profundas sobre as razões para torcer para essa ou aquela agremiação.
Se apaixonar então, será ainda mais complicado. Somente após uma análise fria envolvendo variáveis como personalidade, histórico, pontos em comum e outras particularidades do casal é que se poderá avaliar a potencialidade de uma união amorosa.Até para juntar os trapinhos sem oficialização será melhor que os casais contratem um consultor, ainda que de segunda linha.
O risco é que o mundo se transforme numa imensa Alemanha ou Japão, com regras cada vez mais rígidas suplantando a espontaneidade, a criatividade, o improviso.
Um mundo mais orquestra sinfônica e menos jam sessions.
Nada contra música clássica, mas hoje, mais do que nunca, estamos de saco cheio da previsibilidade das partituras.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Best wishes



A gente sempre acha que em inglês qualquer expressão fica melhor.
Não sei se por complexo de vira-lata, já que o português é uma língua maravilhosa, que, já disseram, soa como o francês aos ouvidos estrangeiros.
Mas é fato que em inglês muitas expressões ficam mais sonoras, sucintas, diretas.
Como por exemplo, "Best wishes", que literalmente seria "Os melhores desejos", mas que melhor traduzido ficaria "Muitas felicidades","Tudo do melhor", "Os melhores votos" ou algo próximo a isso.
"Best wishes" é expressão surrada de cartões de papelaria.
Porém, com poucas letras, diz muito.
Porque dedicar ao outro seus melhores desejos, convenhamos, é o fino.
Se dito com sinceridade, é o que tem faltado nas relações, principalmente nas de amizade.
Torcer pelo outro e desejar sinceramente o melhor para ele, é gesto nobre.
Raro, porque quem deseja tem que estar tranquilo consigo.
Saber que o seu caminho, suas aspirações, não são nem maiores nem menores que as do outro.
São apenas diferentes.
Taí, quero desejar a você o melhor, assim como a mim.
Best wishes, my friend.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Motivação, quem precisa de uma?

Quem já fez algum curso de cinema decerto foi apresentado ao conceito de estrutura narrativa clássica.
Aquela com três atos, que vem dos gregos, onde, em linhas gerais, um personagem é confrontado com uma situação nova em sua vida, cuja enfrentamento o transformará.
É o que chamam de jornada do herói, extraída da própria experiência mítica do ser humano.
Sabemos que os filmes - exceto, pretensamente, os documentários - são inverossímeis. Em muitos casos, relatam situações ficcionais extraordinárias que na maioria do casos não refletem a rotina de nós pobres mortais.
Ironicamente, apesar da maioria das nossas vidas não ser assim "nada de mais", acabam sendo mais complexas do que os filmes.
Porque filmes têm herói, motivação e resolução.
Já em nossas vidas, o herói não se manifesta, a motivação muda ou é perdida, e a resolução, bem, às vezes nem a morte encerra uma.
Será que é por isso que assistimos a um filme? Para encontrar motivação e resolução, ainda que projetada em um personagem?
Porque bem ou mal no final do filme o conflito humano é resolvido.
Mas e quanto a nós, que temos conviver com o conflito real?
Ou será esse conflito tão ficcional quanto nos filmes?
Já pensei muito a esse respeito.
A melhor conclusão a que cheguei é que o fato desse conflito não ter resolução como nos filmes, é na verdade a resoluçao do conflito.
Eu inventei isso?
Claro que não.
Estou falando de serenidade, do caminho do meio, da vara que enverga e não quebra, enfim, de qualquer analogia que se possa fazer a respeito.
Viver é preferir as perguntas do que as respostas.
Porque as respostas, do modo que aprendemos que sejam respostas, nós nunca as teremos.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Alegria e tragédia em cachoeira urbana


O Ricardo me chamou pra um bloco na Vila Madalena e eu, mesmo desencorajado por um céu cinzento, fui e ao chegar achei que foi bom negócio.
A galera animada, várias meninas bonitas e uma banda digna da nossa cidade "túmulo do samba", só que desta vez enterrando também a marcha carnavalesca.
Tudo ia tranquilo, até que o trio resolveu andar e puxar a boiada, acompanhado pelo engrossar da chuva, que a esta hora já fazia jus à São Paulo e à estação.
Em poucos minutos estávamos encharcados, mas em vez de incômodo me sentia alegre com aquela cachoeira urbana inesperada, que me oferecia um banho a céu aberto.
A campanha de economia de água da Sabesp parecia até não fazer sentido, pois ainda poderíamos recorrer a um banho coletivo na chuva.
Mas como felicidade costuma durar pouco, eis que a chuva começa a mostrar suas garras, enviando um raio aqui e outro ali, prenunciando que entraria no ar mais um capítulo da tragédia paulistana que se tornou os temporais de verão na cidade.
Dito e feito, testemunhamos desabar uma mureta que cercava uma casa construída em terreno baixo, e eis que a tarde tranquila daqueles moradores, provavelmente na companhia do sonolento Faustão, se torna o simulacro da tragédia brasileira de verão, as enchentes.
É um corre pra lá e pra cá e absolutamente nada para fazer, pois a chuva deixou a casa em banho maria, provavelmente destruindo tudo. Sobrou para o cachorro da casa vizinha, que nesse interim se atracou com outro cão desavisado e protagonizou por uns instantes o climax dessa história triste de uma tarde de verão.
Me senti ao mesmo tempo impotente e culpado, pois pela primeira vez testemunhava a olho nu uma chamada de Jornal Nacional das que tanto assisti por conta do infortúnio da região serrana fluminense, para não citar outras regiões brasileiras e mesmo a situação na Austrália.
Impotente porque o estrago estava feito, em poucos segundos uma vida de sacríficio se fora com as águas e só nos restava lamentar.
Culpado porque há pouco minutos eu me condoía por ter perdido mais um celular, encharcado no bolso, perda que ficou ínfima perto do lamento do morador da casa.
Enfim, a força da natureza mais uma vez mostrou do que é capaz com uma simples chuva.
Seja para fazer o pessoal de um bloco carnavalesco se mexer para não passar frio seja para transformar a vida de uma família em um caos em questão de segundos.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Eu quero ter fé na vida como a Adélia

"Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera."

(Do poema "Leitura", de Adélia Prado)

Espelho meu


Conheço algumas pessoas que possuem uma qualidade rara que aos olhos do mundo chega a soar farsante: a capacidade de dificilmente falar mal ou reclamar de alguém.
Reclamar se tornou um hábito tão comum e aceitável - e porque não dizer, até socializante - que até duvidamos de quem não é praticante desse esporte de escritório e mesas de botequim.
O que na verdade pode ser uma tremenda injustiça com quem está "de bem com a vida". Mais do que isso, com quem aprendeu a aceitar suas próprias limitações.
Outro erro que se comete é às vezes atribuir ao reclamão uma personalidade forte e ao indivíduo tranquilo uma aceitação passiva das coisas.
Ledo engano.Quase sempre o reclamão contumaz esconde uma grande dificuldade de encarar seus próprios erros e limitações. Em vez de procurar entender as razões de sua insatisfação e reconhecer em si o responsável por ela, prefere atribuir ao outro "a culpa" de seu insucesso.
Encarar o espelho de fato não é fácil. Gostaríamos de ser lindos, inteligentes, espelhar a imagem do sucesso midiático como garantia de não sofrimento. Mas até ao mais bem sucedido figurão de Hollywood é impossível corresponder ao mito que ele próprio fabrica nas revistas de fofoca.
Outra coisa que não nos ajuda em nada é a cultura imediatista e preguiçosa, que propaga que sucesso mesmo é se dar bem rápido e sem esforço.
Sem contar que mudar, investir num novo projeto sem garantias de retorno, pode ser tão trabalhoso quanto desanimador.
Com tanta coisa jogando contra o nosso sucesso, não é de se estranhar que preferimos mesmo é meter o pau nos nossos pais, chefes e pares que não nos reconhecem e nos impedem de atingir o olimpo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Homenagem aos mórbidos


Faz tempo que estou para homenagear aquelas pessoas mórbidas que costumam reduzir a velocidade no trânsito só para dar uma espiadinha em algum acidente, na esperança de enxergar algum cadáver estirado no asfalto, ensopado de sangue.
Obrigado por reduzir a velocidade e passar em procissão pelos corpos acidentados.
Obrigado pelo sinal da cruz, apesar de traduzir mais um "ufa, obrigado Senhor por não ter sido eu" do que um sinal de respeito.
Obrigado por atrapalhar o trânsito, ligando o foda-se para quem está atrás.
Obrigado por esquecer imediatamente o acidente e não mudar em nada sua conduta irresponsável no trânsito.
Enfim, motoristas mórbidos, obrigado pela curiosidade e pela indiferença.
Sem vocês, o espetáculo das mortes no trânsito não teria platéia.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O jornal saído do forno


Outro dia me liga uma vendedora de telemarketing se anunciando como representante da Folha de São Paulo.
Logo pensei, "lá vem".
Há de chegar o dia em que alguém representando a Folha ou qualquer outro jornal me ligue oferecendo alguma inovação tecnológica do tipo, uma âncora de telejornal holográfica logo de manhã ao pé da minha cama, me entregando as notícias fresquinhas do dia ou quem sabe, algo mais.
Mas a telemarketeira me ofereceu mesmo foi uma "assinatura-cortesia" do jornal por 20 dias, o que prontamente recusei porque há tempos não acredito em cortesias por parte de editoras, cartões de crédito e afins.
Nao vou dizer que não goste do cheiro do jornal saído do forno, pelo contrário, isso me cheira a pura nostalgia de infância, dos tempos em que meu pai folheava as primeiras notícias do dia degustando o café da manhã com aroma de café fresquinho no ar, e eu ali presenciando aquele ritual caseiro que imaginei durar para sempre.
Mas os tempos mudam e hoje, longe do seio familiar, me vejo acordando aos solavancos, quase sempre depois de insuficientes horas de sono, reduzidas pelo trabalho extra, pela leitura ou filme na madrugada ou pelos apelos da noite paulistana.
Cabe à internet a tarefa de não me deixar totalmente à parte do mundo quando chegar ao trabalho, para ao menos não confundir soterramento de mineiro chileno com o de morador de Petrópolis.
Enfim, o ponto ao qual eu queria chegar é que hoje, na ausência do rolinho de jornal "dono da verdade" colocado ao pé da sua porta, me vejo tendo que abrir a página de algum portal e caçar notícias anteriores para saber dos ocorridos da última noite.
Sim, porque por exemplo, num fim de semana em que você acorda meio tarde e desplugado do mundo por algumas doses a mais de vodca ou saquê, invarialvelmente você vai chegar atrasado às notícias.
Por exemplo, hoje, quando acordei e quis saber da classificação ou não da seleção sub-20 às Olimpíadas - ok, ok, admito, é nerdice futebolística, só uso aqui a título de exemplo - já encontrei as notícias subsequentes, como a que diz que houve um flerte de um atleta canarinho com uma jornalista peruana.
Ou seja, a informação anda tão acelerada que, se antes a tv atropelava a mídia impressa, hoje a internet atropela e dá ré em cima da tv.
E eu, que vivo a caçar posts anteriores para entender um pouco do que se passa, admito que gostava daquele cheirinho de jornal recém-saído da gráfico, trazendo em suas páginas a verdade sacrilizada e imutável como testemunho único da noite anterior.
Mas nem por isso vou voltar a assinar um jornal de papel e tinta, daqueles que mancham as pontas dos dedos.
Além de tê-los disponíveis no trabalho assim que puser os pés no ambiente refrigerado do escritório, os periódicos de papel não passam da prova escrita de um tempo em que as notícias dispunham de um tempo razoável para sua completa digestão.
Hoje mal dá tempo de engolí-las, ou pelo contrário, são elas que nos engolem, a nós e ao nosso tempo.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O mendigo do túnel



Toda noite, na minha volta para casa, passo pelo túnel Noite Ilustrada.
Ou melhor, passo pela casa do mendigo da curva.
Ele está sempre lá, deitado na estreita calçada que contorna o túnel.
Se a calçada já não é confortável para pedestres, imagine para o mendigo, que deita de lado, meio curvado e virado para a parede, com a cabeça quase sempre oculta entre panos imundos.
Passam-se os dias e como sempre o mendigo ali repousando, a impressão que me dá é de que ele nunca sai daquela posição simbiótica com o concreto frio.
Decerto aquele pedaço é apenas seu quarto, pois durante o dia deve sair para garantir seu sustento como pedinte, provavelmente não muito longe dali.
Não escrevo essas parcas linhas para me compadecer do mendigo nem culpar o status quo pelo seu infortúnio.
Meu índice de contribuição filantrópica anda quase a zero e por ora só tenho ajudado minha família, minha faxineira e os empregados do prédio.
É que sempre que vejo alguém que está apenas sobrevivendo, isso me faz indagar o que levou o indivíduo àquela situação.
E fico me perguntando se a pessoa simplesmente não pode ou não quer reagir à sua condição sub-humana.
Porque me faz lembrar de quantos mendigos espirituais andam vagando por aí como se a vida fosse uma sentença a cumprir e não uma dádiva.
Às vezes quero parar, conversar, tentar descobrir onde e quando o elo foi perdido, essa desconexão entre a rotina e os sonhos que nos alimentam pela vida.
Porque não consigo entender minha batalha como algo à parte dos planos, sonhos, esperanças.
Por isso, quando vejo os mendigos, tantos os do tipo sem-teto quanto os sem-sonho, dou graças a Deus que ainda aspiro.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Baranga



Não sou determinista.
O livre-arbítrio não chega a ser uma fé cega, mas concordo com a escritora Inês Pedrosa: "viver sem esperanças loucas é muito triste".
Contudo, fico indignado quando nossos governantes alardeiam que "chegou a vez do Brasil".
Ok, vivemos uma boa fase, surfando na onda dos países emergentes, na contramão do mar flat dos americanos e europeus.
Mas daí pra achar que de repente a gata borralheira brasileira está prestes a virar cinderela é demais.
Não é questão de pessimismo, mas de constatar quanta coisa errada e contra qualquer lógica de processo de desenvolvimento ainda vivemos.
Em 16 anos de gestão de FHC e Lula, não rolou nenhuma reforma estrutural.
Nem política, nem tributária, nem previdenciária, nem trabalhista, nem nada.
A dívida pública e o peso da máquina estatal continuam devorando toda a arrecadação sem retornar sergurança, educação ou saúde ao contribuinte.
Divisão de renda ainda é pequena e retomando a analogia surrada, o peixe que se distribui não ensina a pescar.
A cidadania e ética na esfera pública são praticamente inexistentes.
Resumindo, o quadro é precário, não?
Então não me venham com otimismo pré-copa e olimpíada que isso, todo mundo está cansado de saber, já cheira a corrupção de empreiteira.
Que tal continuarmos com os pés no chão, encarando a realidade brasileira de frente, feinha como ela ainda é?
O Brasil continua uma baranga.
Mais arrumadinha, mas ainda uma baranga.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Passou rápido



Aquele comentário de elevador com o vizinho, sobre o ano que passou rápido, poderia ser apenas um clichê se não fosse uma evidência de como a vida anda acelerada.
Essa virada de ano me fez pensar em como o giro dos ponteiros no relógio se parecem com a gente correndo atrás do próprio rabo.
Queria que meu dia fosse feito de tecido stretch, mas ele anda encolhendo mais rápido que roupa de bebê.
Se mal dá para cumprir as tarefas diárias, as que garantem (?) as necessidades básicas, quem dirá dar conta dos projetos, das fantasias, dos sonhos.
Antigamente o homem queria inventar uma máquina para viajar no tempo.
Eu, que não tenho a menor pressa de viver o futuro nem guardo saudosismo do passado, preferia que inventassem uma máquina para produzir tempo.
Daí abriria provavelmente o negócio mais rentável do mundo.
Duas horas fresquinhas para o executivo passar com o filho? É pra já.
Meia horinha a mais de sono? No capricho, senhora.
Uma hora de siesta? Pra agora ou embrulha?
Façam fila, clientes, e não precisa chiar.
Depois é so comprar uns 15 minutos a mais pra compensar.