sábado, 5 de dezembro de 2009

Travei

Escrever neste blog deveria ser um exercício descompromissado e criativo, sem quaisquer auto-cobranças, inclusive de qualidade de escrita.
Mas ultimamente tenho penado para encontrar temas e produzir da maneira prolífica com que costumava fazer.
Se antes qualquer bobagem, qualquer inspiração filosófica virava meia dúzia de parágrafos de post, foi inevitável entrar numas de me cobrar mais relevância na escolha de temas e sinceridade de opinião.
Este texto parece mais um debate interno para me posicionar diante do dilema da vontade de escrever contra a auto-censura de não escrever qualquer coisa.
É que estou mudando, me cobrando uma vida com mais atitude libertária, mas as mudanças ainda estão bem aquém do que preciso para voltar a escrever, e desta vez com mais peso e sinceridade.
Paciência.

domingo, 15 de novembro de 2009

Extraído de "Trem noturno para Lisboa"

O BÁLSAMO DA DESILUSÃO. A desilusão é considerada um mal. Trata-se de um preconceito irrefletido. Como, se não através da desilusão, iríamos conhecer o que esperamos e desejamos? E onde encontrar um momento de autoconhecimento, senão precisamente a partir desta descoberta? Como alguém poderia ter clareza acerca de si próprio sem a desilusão?
Não deveríamos sofrer as desilusões suspirando como algo sem o qual nossa vida seria melhor. Deveríamos procurá-las, persegui-las, colecioná-las. Por que me sinto desiludido como o fato de todos os atores idolatrados da minha juventude agora revelarem os traços da idade e da decadência? O que a desilusão ensina sobre quão pouco vale o sucesso?
Muitos precisam de uma vida inteira para admitir a decepção com seus pais. O que esperamos deles? Pessoas que passam a vida sob o jugo inclemente das dores muitas vezes se decepcionam com o comportamento dos outros, mesmo os que persistem junto deles e lhes ministram os medicamentos. É sempre pouco demais o que fazem e dizem e também pouco o que sentem. "O que esperam?", pergunto. Eles não sabem dizer e ficam perturbados com o fato de terem carregado durante vários anos uma expectativa que pode ser frustrada sem que a conheçam de perto.
Alguém que realmente quer conhecer a si próprio deveria ser um colecionador obcecado e fanático de desilusões, e a procura de experiências decepcionantes deveria ser, para ele, como um vício, na verdade como o vício dominante da sua vida, pois então ele compreenderia, com toda a clareza, que a desilusão não é um veneno quente e destruidor, e sim um bálsamo refrescante e tranquilizante que nos abre os olhos para os verdadeiros contornos sobre nós mesmos.
E não são apenas as desilusões em relação aos outros ou as circunstâncias que deveriam importar. Quando descobrimos e assumimos as desilusões como caminho que nos aproxima de nós mesmos, estaremos ávidos por experimentar em que medida estamos desiludidos com nós mesmos: desiludidos sobre a falta de coragem e de honestidade intelectual, por exemplo, ou com os limites terrivelmente estreitos impostos ao próprio sentir, sentir, agir e falar. O que foi que esperamos e desejamos então de e para nós próprios? Que fôssemos ilimitados, ou totalmente diferentes daquilo que somos?
Alguém poderia ter a esperança de, através da redução de expectativas, se tornar mais real e de se reduzir a um núcleo duro e confiável, estando imune contra a dor da desilusão. Mas como seria levar uma vida que se proíbe qualquer expectativa ousada e imodesta, uma vida em que somente houvesse expectativas banais, como a espera pelo próximo ônibus?

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Quem precisa de dinheiro?

As pessoas mentem, brigam, traem, se prostituem, enlouquecem, adoecem, estressam, matam e se matam por ele.
O dinheiro, maldito dinheiro.
Dizem que é só uma energia.
Que não deveria ficar parada, mas quem tem muito não cansa de acumulá-la.
Ter dinheiro faz toda a diferença no mundo capitalista.
Para o bem e para o mal.
Quem tem pouco vive em penúria.
Quem tem muito pode viver em sofreguidão.
Porque o dinheiro exige que se dê a ele o devido valor.
Que não é só o do seu poder de compra, mas principalmente o da sua significância.
Dinheiro dá poder, status, dependência.
Em vez de possuir o dinheiro, corremos o risco de ser possuído por ele.
Quantas vezes você não tomou decisões pelo medo de gastar, de deixar de ganhar, de perder, de ficar sem nenhum tostão?
Não é muito sofrimento para uma relação virtual com algo puramente ilusório?
Números num programa de computador?
Ok, não tenho a noção, por exemplo, de passar fome por falta de dinheiro.
Mas também não tenho noção de ter muito a ponto de poder esbanjá-lo, e nem por isso
acho que isso seja uma vantagem.
Para mim, a grande vantagem de ter muito dinheiro é poder aplicá-lo e com o rendimento, não depender mais de um salário.
Aí sim você se livra de uma vez dos seus dois patrões.
Do dinheiro e do seu empregador.
E, o melhor de tudo, passa a ser dono do seu tempo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Desabafo

Não acho que meu blog deva ser um altar para expiar minhas frustrações, raivas e afins.
Prefiro reservá-lo a manifestações de criatividade, discussão de idéias, exposição de meu ponto de vista.
Mas hoje abro uma exceção para exprimir minha raiva, permitindo que meus dedos detonem o teclado ao seu bel prazer.
Estou triste porque tive que demolir meu projeto de reforma por não se enquadrar nas normas do meu condomínio.
E ainda tive um baita prejuízo material por conta da destruição.
Mas deixando de lado o prejuízo financeiro, me fere a alma ter que abrir mão das coisas que acalento.
Como foi o caso desse projeto de reforma, pensado e criado com o carinho que qualquer coisa que ponha no papel em branco merece.
Tudo que me cerca leva indelevelmente minha marca pessoal e me agride ter de abrir mão dessas coisas por incômodo da inveja alheia.
Sei que a vida pode nos reservar acasos muito piores do que entrar em prejuízo moral e financeiro.
E daí você precisa ter estômago para respirar fundo, fazer a necessária correção de rota e seguir adiante.
Mas, não sei se por perfeccionismo, talvez por uma peculiar teimosia que me acompanha desde criança, detesto ser contrariado.
Síndicos, burocratas, fiscais.
Fodam-se todos vocês.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O peso que a balança não mede.


Uma das coisas que impedem alguém de ser feliz é ser uma pessoa pesada.
Não o pesado no sentido de quilinhos a mais, pois tem muito gordinho e gordinha por aí que passa com muita leveza pela vida.
Me refiro ao peso do astral, da energia, da aura que envolve o ser humano.
Uma pessoa pesada tem sempre uma nuvem cinzenta e carregada sobre a cabeça, e por consequência tende a nublar qualquer ambiente mais ensolarado que ela.
Não é difícil distinguir essa espécie de ave de mau agouro que mal chega ao lugar e já pesa nos ombros dos presentes.
Mas nem só de amargura se molda uma pessoa pesada.
Alguns parecem trazer essa característica do berço, pois nem todos passaram por percalços na vida que justifiquem a eterna expressão carrancuda.
E mesmo quem normalmente flana pela vida, também tem seus dias de toneladas a mais pelos ombros.
Normal, não há quem na vida não passe pelos altos sem penar pelos baixos.
E quando o nó se desata e o peso sai das costas, é um alívio tão grande que parecemos saídos de uma situação de convalescência.
Daí que não dá para entender quem não faz a opção pela diversão, pelo bom humor, pela espontaneidade pura e simples.
A gente tem mais é que rir de quem não ri de si mesmo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Chocadeira


Ainda sobre o esporte amador no Brasil, pelo rápido crescimento da ginástica artística brasileira, é fácil constatar que onde há investimento sério os resultados inevitavelmente aparecem.
A combinação de ídolos com investimento constante em qualquer modalidade esportiva é suficiente para que surjam novos talentos e se crie enfim, uma escola.
É isso que falta para o esporte amador brasileiro explodir e enfim conquistar o status de potência olímpica.
Talento e vontade temos de sobra. Tire todas essas crianças de rua e dê uma quadra, uma raquete, uma vara para saltar. É capaz da gente até esquecer que esse já foi um infeliz país que precisou de heróis.
Porque em qualquer atividade, não só no esporte, só se alcançam resultados em quantidade e constância depois de estabelecida uma escola, com vários ídolos para copiar e seguir.
Isso vale para os esportes, as profissões, as artes.
Todo mundo teve um ídolo, um mestre, um padrinho, que lhe ensinou o caminho das pedras e incentivou a buscar a excelência.
Em qualquer atividade ninguém, mesmo os gênios, é filho de chocadeira.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

P.Q.P.!

Acabo de ver em reportagem do SporTV que me deixou indignado.
Numa competição de remo no Rio, uma dupla de remadores de 15, 16 anos de idade, depois de alcançarem a segunda colocação numa competição de duplas, foi desclassificada, puta que o pariu, porque os garotos estavam com uniformes diferentes.
Hello? Hello? Isso aqui é Brasil, dirigentes. Não é a Alemanha, não.
Gente chata.

O casamento do meu melhor amigo

Ao rever um trecho da comédia dor-de-cotovelo "O casamento do meu melhor amigo", percebi que um erro crasso foi cometido pelo roteirista/diretor/produtor.
O melhor amigo da Julia Roberts na trama não era o noivo, e sim o amigo gay que foi consolá-la ao final do filme.
Não estou fazendo defesa da classe, mas só mesmo um amigo gay para ter a sensibilidade de, ao perceber que a amiga ia dar com os burros n‘água em sua tentativa de reconquista, abandona seus compromissos e aparece de surpresa, já no final da festa, para consolar a arrasada mocinha.
Bom, se isso não for consideração, não sei o que é.
Deve ser por isso que as mulheres gostam tanto de seus amigos gays.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Viajar sem sair de casa

A Manhattan de Woody Allen

Sexta eu cruzei com a Fernanda no Genésio e ela me relatou sua viagem recente a Turquia, no caso Istambul e Capadócia. Na Capadócia, ela me conta que fez um passeio de balão sobrevoando o futurista cenário natural de Guerra nas Estrelas. Que inveja, ainda chego lá.
Enquanto isso, vou viajando pelos meios mais baratos que existem: livros, filmes, programas gastronômicos e documentários NatGeo e Discovery.
Graças a esses recursos tenho conseguido conter minha ambição turística, a saudade de aeroporto que me atormenta de vez em sempre.
Na verdade não sei se filmes e livros, ao contrário de saciar, só aguçam ainda mais a vontade de conhecer paisagens, povos, aromas.
Talvez ler Dostoievski, Turguêniev, Tolstoi e conhecer a arte de Chagall e Kandinsky, além das pernas da Maria Sharapova, só aumenta o desejo de me teletransportar para as famosas estações de metrô de Moscou.
Björk me convida para a Islândia, onde dizem existir muito mais do que gelo e a maior concentração de bandas de rock por km2 - é a Brasília da Europa.
Estou carregando nas tintas nos filmes europeus e asiáticos, me vi em Istambul, Tóquio, Belgrado num intervalo de poucos dias.
Pensando melhor, os livros e filmes me livram da falência da ambição de conhecer o mundo inteiro sem ter recursos para tanto.
Obrigado, produtores e editores. Vocês vão continuar sendo os agentes de viagem mais em conta e democráticos para turistas menos abonados.

Hipocondria na mídia


Já reparou na avalanche de séries sangrentas nos canais de tv?
Pois é, não faltam opções de seriados policiais e hospitalares para vampirinhos de plantão.
Daí eu pergunto, por que tanta hipocondria?
Por que tanta gente interessada em mortes, doenças, desgraça, sofrimento?
Ora, o interesse pelo sangue alheio não vem de ontem. Estão aí os telejornais e os Datenas da vida, que há tantos anos baseiam suas pautas em saraivada de balas.
Talvez uma maior oferta de canais só tenha evidenciado o sucesso que o apelo da violência faça no mundo inteiro.
Em especial nos EUA, onde essas séries são produzidas, e cuja origem da mentalidade paranóica não data de 11 de setembro de 2001.
Não estou aqui fazendo a apologia da censura nem da programação que feche os olhos para a realidade das nossas ruas.
Não seria coerente com a acertada diretriz do cinema nacional, que insiste em abrir nossos olhos para o estado de falência social.
Só acho estranho que nós, habitantes de grandes metrópoles, depois de nos recolher do ambiente inóspito das ruas, encontremos refúgio nos C.S.I. da vida.
Será que precisamos testemunhar que o cotidiano poderia ser ainda mais violento?
Ou é uma vontade reprimida de esganar o chefe?
Ou ainda, uma descarga catártica indispensável para sermos pais e filhos mais amorosos em casa?
Sei lá.
A mim me parece, como diria a Lúcia, uma hipocondria coletiva.
E para hipocondria, infelizmente não há remédio nem terapia que chegue.

O turismo na América Latina

Pergunte a qualquer amigo razoavelmente viajado quantos países da América Latina ele conhece.
Provavelmente ele dirá Argentina, Uruguai, Peru e com sorte, Chile, México e Caribe.
Entenda-se Buenos Aires, Punta del Este, Machu Picchu, Santiago, Cancún, Aruba e Cuba.
Ok, conheço gente que já se aventurou na Patagônia, no Atacama, Lagos Andinos e outras atrações caribenhas menos badaladas.
Mas a atratividade do turismo latino por aqui é tão inócua quanto a do turismo nacional de pontos mais afastados, como Amazônia, Ilha de Marajó e Tocantins.
Será despreparo do turismo nacional e de seus primos pobres da América Latina?
Sem dúvida que é.
Houve um tempo em que apenas a cidade de Buenos Aires atraía mais turistas que todo o Brasil.
Absurdo para um país sem nossas belezas naturais? Se você considerar que o turista procura boa informação, estrutura e sobretudo segurança, nem um pouco.
Nossos hermanos estão - ou pelo menos estavam - mais preparados para tratar seus turistas com o carinho que eles merecem.
Por outro lado, nós ainda pecamos muito em estrutura, falta de segurança e de consciência do mercado potencial que o turismo representa.
Confiamos demais na atratividade de belezas como o Rio de Janeiro, a Amazônia, o Pantanal, os Lençóis Maranhenses.
Mas esquecemos que os europeus encontram boas e mais próximas opções nas Ilhas Gregas e nas Rivieras Francesa e Espanhola.
Já americanos e canandenses, têm no Caribe seu porto seguro há muito tempo.
Por isso, se o turismo por aqui, especificamente o sul-americano, quiser abocanhar a fatia que lhe cabe no cenário mundial, precisará melhorar muito.
Muito está sendo feito, por exemplo, no nordeste brasileiro, e não por acaso por investidores estrangeiros, que devem entender bem a cabeça do turista lá de fora.
A Copa do Mundo e as Olimpíadas serão oportunidades únicas para o país se firmar no setor turístico.
Pena que até lá pouca coisa deverá mudar em termos de transporte, violência e pessoal preparado para receber e tratar bem os turistas.
Deserto de Atacama, Chile

sábado, 10 de outubro de 2009

O que não se quer

Para mim tão importante quanto saber o que se quer é saber o que não se quer.
Teoricamente, saber o que não se quer é mais fácil, mas nem por isso mais fácil de implantar.
A vida nem sempre permite evitar o que não se quer, mas eu tento.
E tenho tentado cada vez mais, na medida em que o tempo passa e você vai perdendo a paciência.
Parece uma postura ranzinza, mas eu considero libertária.
Eu não quero mais tolerar coisas que acho errado.
E esse errado é muitas vezes só errado para mim.
Não quero trabalhar para e com quem não gosto.
Não quero conviver com quem não me entenda.
Não quero viajar só porque é feriado.
Não quero seguir tendências por pressão de ser considerado ultrapassado.
Não quero comer porque é hora de comer.
Não quero entrar em forma.
Não quero ser áspero porque se acredita que a aspereza resolve os assuntos.
Não quero ser mais ambicioso do que o suficiente pra mim.
Não quero ser sério além do necessário.
E muitos "não queros" que se não definem tudo o que quero, já apontam uma direção.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Vaidade profissional


Qual a profissão número um em matéria de vaidade?
Faço essa pergunta porque já convivo com uma fábrica de egos que é o mercado publicitário. Mas tenho suspeitas de que em outras áreas o festival de "pitis" de prima-donas também não fica muito atrás.
Os médicos, por exemplo. Anos e anos sendo tratados e reverenciados como "doutores" não faz bem a algumas cabecinhas fracas que logo acabam se achando senhores do destino da humanidade. Logo a sobriedade profissional inerente à profissão cede a um complexo de superioridade sem cura.
Não vamos considerar nessa análise atores, pop stars, políticos e jogadores de futebol. Esses são hors concour no quesito ego.
Mas os escritores, dizem por aí, sofrem de uma espécie de vaidade ainda pior, já que nem platéia suficiente têm. Alguém uma vez disse que a diferença entre o jornalismo e a literatura é que o jornalismo é ilegível e a literatura não é lida.
E quanto aos advogados, que posição devem ocupar no panteão da vaidade? Depende da localização geográfica. Nos EUA, onde a lei funciona além da conta, são deuses. Por aqui, fazem gambiarras.
Engenheiros, conheço um pouco. Morei com alguns numa república quando cheguei a São Paulo. Dependendo da grife da faculdade podem até nutrir uma soberba, que se acaba no primeiro emprego, quando encaram a realidade de serem pau pra toda obra.
Enfim, vaidade profissional me parece ilusão.
Como já disseram, pise na sua antes de sair de casa pra trabalhar.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Vinhos


Estou terminando um livro sobre vinhos.
O primeiro sobre o assunto que leio e provavelmente, o único.
Livro sobre vinhos em geral é uma sucessão de nomes, denominações de origem e classificações de qualidade que só podem ser gravados e fazem sentido para iniciados
no assunto.
Para mim, um leigo que acreditou que poderia destilar conhecimento já na próxima degustação da bebida, foi uma avalanche de informação técnica sem qualquer chance de retenção na memória, esteja eu ou não embriagado.
A leitura só serviu para concluir que, em se tratando de vinho, o melhor aprendizado vem mesmo da prática.
Talvez fazer um curso até ajude, mas pressinto que, como tudo na vida, escolher o melhor vinho vai continuar tendo que passar pelo indefectível critério do gosto pessoal.
Daí que concluo que foi tempo perdido mesmo essa leitura.
Bem-feito para o metido a besta aqui.

Quem mandou não estudar?

Uma piada batida e recorrente entre publicitários é dizer uns aos outros "Quem mandou não estudar"?
A gente costuma empregar essa frase em tom irônico toda vez que se vê numa situação típica da profissão, por exemplo, tendo que encarar um trabalho casca-grossa ou perder um feriado dentro da agência.
Dificuldade que hoje em dia nem é exclusividade nossa, já que o pessoal do jornalismo ou mercado financeiro batem nossos recordes de jornada estendida.
Mas a ironia maior é que justamente os publicitários são os que não podem parar de estudar, mesmo.
Publicitário tem que saber de tudo um muito, senão corre o risco de se tornar repetitivo. Se não abrir a cabeça, pode daqui a pouco estar fazendo trabalho inspirado na própria rotina chata ou na vida do colega ao lado.
E como a mídia digital é uma realidade que chegou que nem rolo compressor, ai de quem ignorar as novas ferramentas.
Então a frase atualizada com que se deve censurar publicitários é "Quem mandou não estudar antes?".
Porque agora você, publicitário, vai ter que estudar e muito.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Os bem-sucedidos desocupados

Já disseram que quem trabalha demais não tem tempo de ganhar dinheiro.
Isso faz sentido se no caso, ganhar dinheiro se refere a estudar e fazer investimentos com seu salário, para multiplicá-lo.
Mas esse ditado também se aplica a quem, de tanto ficar de bobeira, acabou vendo oportunidades que quem não tira os olhos do computador não consegue enxergar.
De fato, você acha que quem criou os sites de cotação de compras estava digitando memorandos? Provavelmente estava fazendo suas comprinhas no shopping desdenhando de quem não arrumava um tempinho para fazer o mesmo.
Não vou listar casos para comprovar minha suposição. Já é tarde, e um trabalhador como eu não tem muito tempo para ficar enchendo linguiça em blog para provar teorias por A mais B.
Mas se tempo livre não fizesse bem ao progresso material de um povo, então quem estaria trabalhando, virando noites e finais de semana seriam ingleses, franceses, alemães. Povos que como se sabe derrubam o lápis as 18h em ponto, quando não antes.
Alguns vão dizer que eles já passaram por nosso estágio de nação e hoje desfrutam da riqueza acumulada.
Eu acho que nós, como nação nova e de espírito adolescente, ainda cometemos exageros próprios da juventude, nos atropelando o tempo todo ao correr atrás do próprio rabo em busca de sucesso, dinheiro, progresso a qualquer custo.
Pois se os nossos pais ainda dizem que a pressa é inimiga da perfeição, quem sou eu para contrariá-los, na minha humilde posição de atleta do dia-a-dia correndo contra o relógio?
Há algo de imperfeito no ar.

sábado, 3 de outubro de 2009

Diálogo entre o Médium e Monet

O Médium que recebia Monet, um dia teve um diálogo franco com o artista, que de corpo presente apareceu em seu quintal num domingo entediante:
- Sr Médium, desligue a tv. Tenho um assunto sério a tratar com você.
- Mas justo agora que o Parmera vai entrar em campo?
- Não acredito que você vai trocar um papo elevado sobre pintura comigo por um joguinho de futebol a toa...
- Mas é futebol-arte!
Monet arranca o controle da mão do Médium e desliga a tv a seu contragosto.
- Pôxa, mas que invasão. Como se não bastasse usar meu corpinho, agora você quer mandar no meu domingo?
- Vamos direto ao assunto. Não estou satisfeito com a repercussão do trabalho que você pinta incorporando o meu talento.
- Domingo a tarde não é hora de discutir a relação.
- Essa discussão não tem hora. Estou falando do assunto que para mim é o mais caro: meu trabalho, meu talento, meu tudo.
- Desculpa ser franco, mas não te ocorreu que o seu talento pode ter morrido junto com você?
- Como assim? O grande Monet é imortal. Como ousar duvidar do meu trabalho, exposto nos maiores museus do mundo?
- Aí é que está. Não estou duvidando do talento que, friso, em sua época foi revolucionário. Estou dizendo que talvez hoje, na era do efêmero, ele se foi.
- Quem se foi?
- O seu filho mais amado, seu talento.
- Ora, como ousa...
- Estou falando com a propriedade de quem empresta inteiramente o corpinho ao seu bel prazer. Estão aí minhas mãos direita e esquerda que não me deixam mentir. Seu talento já era, Monet.
- Peraí, não se fala assim impunemente com um artista da minha envergadura.
- Acontece que hoje em dia, artista de envergadura é o Usain Bolt. Tirando os professores de história da arte, ninguém mais quer saber de impressionismo. Aliás, você está com o aluguel do meu corpo atrasado.
- Eu estou sem dinheiro no além. Culpa sua, que não consegue vender nenhum quadro.
- Culpa minha? Seus quadros é que não enganam mais ninguém. Nem na Benedito Calixto nem na feirinha do Masp.
- Quer saber? Vou me embora do seu corpo. Esse seu corpinho mal cuidado não é digno de alguém que fez história nas artes.
- Já vai tarde. Não aguento mais me detonar toda vez que preciso incorporar um artista decadente e bebum como você.
E assim Monet resolveu desocupar o corpo do Médium, e enfim seguiu para o além onde retomou sua carreira pintando paisagens. Que mesmo não seguindo as técnicas do impressionismo, ainda assim exibiam resultados parecidos, já que as paisagens do purgatório também são meio assim, indefiníveis.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Desacelera, Ayrton.

Acabo de passar pelo pronto-socorro.
Nada de grave, apenas uma cansaço profundo que quis disgnosticar com mais precisão.
Fiz um eletrocardiograma e a doutora me encaminhou para um tratamento para vítimas do cansaço, uma espécie de grupo voluntário de cobaias para um estudo do cansaço que não é decorrência de diabetes, disfunção da tireóide, ansiedade crônica, etc.
Ou seja, fui classificado como um cansado sem causa.
Sem causa, vírgula, pois o estudo tenta detectar quais as causas "mudernas" do cansaço. E eles têm tanto interesse nisso que, pasmem, até pagam 10 reais por voluntário.
Bom, preferia até que meu cansaço tivesse uma causa específica- não grave, claro - mas presumo que é stress, trânsito, chateação, má alimentação, tudo somado.
Óbvio que é o corpo pedindo trégua.
Eu, que acabei de ler a revista Trip do mês, que coincidentemente fala sobre a necessidade de desacelerar o ritmo, agora me dou conta de que preciso rever meus conceitos sobre qualidade de vida, de sono, de alimentação.
A gente se pega correndo atrás do próprio rabo, se cobrando trabalhar mais e melhor, ser valente perante as exigências de um dia cada vez mais curto, até o computador de bordo interno detectar uma pane.
Engraçado isso de se cobrar.
Me fez lembrar de novo daquele pescador em Canoa Quebrada que pegou um baita peixe e, satisfeito e orgulhoso, disse que aquela santa prenda dos mares iria lhe proporcionar folga pelo resto da semana.
A verdade é que a gente nem percebe que está se exigindo demais.
A ficha caiu quando soube que minha irmã resolveu tirar meu sobrinho da escola até o fim de ano por conta da ameaça da gripe suína.
Pensei: ele vai ficar atrasado em relação aos coleguinhas.
Mas em seguida lembrei que ele só tem 3 anos e a vida toda pela frente para aprender.
E o João Pedro parece até que sabe disso, pois quando perguntei se ele iria pra escola, ele respondeu sabiamente em pleno final de setembro: "não, tô de férias".

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Alguns profissionais são de Marte, outros de Vênus

Trabalho em publicidade, na área de criação, onde se convencionou atuar em dupla, um diretor de arte, responsável pelos layouts, e um redator, o vulgo ordenador de letrinhas.
Bom, fato é que devido a uma carga horária pra lá de pesada, trabalhar em dupla de criação torna-se um verdadeiro casamento, ou seja, para a relação dar certo é preciso conjungar personalidades, objetivos em comum, etc.
Como em todo grupo de candidatos a achar sua cara metade, os criativos, embora representem uma tribo, também se diferenciam entre si por algumas peculiaridades.
Eu acho que os criativos de propaganda podem ser classificados segundo critérios de mais e menos.
Tem os mais e menos talentosos, mais e menos bem informados, mais e menos descolados, mais e menos premiados, mais e menos desencanados, mais e menos carreiristas, mais e menos apaixonados pela profissão, mais e menos etc.
Uma combinação dessas caraterísticas acaba definindo quem tem mais chance de dar certo com você.
Fiz dupla com diretores de arte com temperamentos, habilidades e objetivos dos mais diferentes.
E de acordo com as circunstâncias, pude aproveitar o que a convivência com cada um deles tinha de melhor.
Antes que algum desses ex-parceiros tire conclusões precipitadas, digo que apreciei trabalhar com todos eles.
Mas vou confessar uma coisa.
Quando a dupla coloca a busca por um trabalho de qualidade acima de tudo - de carreira, dinheiro ou politicagem - é quase inevitável que daí saia coisa boa.
Por isso, se eu pudesse dar um conselho para um profissional de qualquer área, eu diria para procurar e encontrar seus melhores pares profissionais.
Isso na escolha de parceiros, chefes, fornecedores, subordinados.
Porque de fato alguns profissionais são de Marte e outros, de Vênus.
E se vão conviver 8, 10, 12 horas por dia, pelo sucesso da convivência e das carreiras, melhor que as parcerias se formem por habitantes de um mesmo planeta.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Me deixa brincar, porra!


"O psicanalista inglês Donald Winnicott define uma pessoa pelo que ela sente, aprende e, principalmente, pelas brincadeiras da infância."
Através da Lucia, fiquei fã do Winnicott.
Acho que ele tem toda razão, eu sou o que sou pelos brinquedos com os quais escolhi me divertir.
Até hoje é assim.
Tem gente que acredita que ter postura adulta é levar tudo a sério.
Eu acho que o adulto saudável leva tudo na brincadeira.
Porque não tem coisa mais séria e necessária na vida do que brincar.
E agora me dá licença, que tem um brinquedo novo me esperando logo ali.

domingo, 13 de setembro de 2009

A não crítica


Tem vezes que a gente assiste a um filme e se emociona, e fica pensando se caiu em armadilha sentimentalista de diretor.
Eu sou assim, meio crítico com quem tenta dar uma rasteira emocional em detrimento de uma história bem construída.
Mas sei lá, pode ser exagero meu querer acusar diretor que usa o apelo emotivo, como se despertar lágrimas fosse defeito de enredo e não qualidade.
Quando vi o filme turco “Do outro lado“, de Fatih Akin, eu fiquei nessa dúvida, porque a história, embora engrandecedora, me parecia inverossímil.
Não achei razoável pessoas ficarem atravessando fronteiras para brigar por causas de amante de pai, de amante de filha, etc.
Esse envolvimento entre pessoas estranhas, em dias em que solidariedade anda meio em falta no mercado, pareceu exagerado, idealizado.
Mas enfim, tenho que lembrar que há gente lutando por objetivos que não são a compra do próximo sapato.
Portanto, desta vez me rendo e fico só com a qualidade da boa história contada pelo Fatih Akin.
Confesso que gostei.

domingo, 23 de agosto de 2009

A mão na massa


Sou contra a pirataria e qualquer apropriação de direitos autorais, capital intelectual e congêneres.
Mas o download de música e filmes na internet é um fato consumado.
A queda vertiginosa da vendagem de cds e dvds é lamentável, embora tenham produzido um efeito benéfico para os fãs de música ao vivo.
Já há alguns anos que artistas e bandas outrora restritos aos circuitos das grandes metrópoles do mundo, arregaçam as mangas, pegam seus aviões e vão buscar os dólares por todos os cantos do planeta que sua música consegue alcançar.
Lembro do tempo em que as grandes bandas dificilmente aportavam por aqui antes da curva descendente de suas carreiras. Exceção feita as bandas estrangeiras que só faziam algum sucesso por aqui e que por isso mesmo um tanto obscuras, como foi o caso do Faith no More e A-ha.
Mas passando dia desses pela porta do Via Funchal, casa de espetáculos paulistana, pude notar a farta oferta de shows para todos os gostos e bolsos.
Tinha desde banda de axé e cantora alternativa americana, até boy band.
Nunca o mercado de show ao vivo esteve tão aquecido como nos últimos tempos.
Faz nos esquecer dos tempos em que a vinda de um grande artista ao Brasil era uma notícia bombástica, um hiato na concorrida agenda da celebridade para agradar fãs de um país exótico e distante.
Agora não, com o fluxo intermitente de artistas ali na esquina, um lugarzinho na frente do palco do seu ídolo está a apenas um clique de distância - excessão feita a mega-artistas como U2 e Madonna,cujos ingressos se esgotam antes mesmo do anúncio de sua venda.
Isso me lembra a estratégia de lançamento do último álbum do Oasis, cujas músicas foram divulgadas em primeira mão por músicos amadores que as tocavam nas ruas.
Parecia até uma volta as origens dos irmãos Gallagher, como de qualquer outra banda ou artista, saídos das apresentações em ruas, praças públicas, estações de metrô, bares, etc.
Não é impossível que um dia o próprio Oasis se disponha a lançar assim, de surpresa, em qualquer cantinho público, o seu novo álbum.
Claro que a pirataria, embora tenha facilitado o acesso as obras dos artistas e contribuído para o aumento de sua popularidade, é, antes de mais nada, perversa para a proteção da propriedade intelectual.
Mas foi ao menos a causadora dessa benesse de obrigar o artista a colocar a mão na massa, ou melhor, a mão no passaporte e na guitarra, e vir para cá dar o ar de sua graça.

Português para estrangeiros

Já ouvi de alguns gringos que a nossa língua soa como o francês.
E também que é de difícil compreensão e aprendizado.
Deve ser mesmo, porque o que tem de brasileiro pouco familiarizado com “A última flor do Lácio“ não está escrito.
É só ver pela internet os absurdos escritos por vestibulandos em provas de redação.
Mas voltando aos estrangeiros, imagino o quanto soa estranho algumas palavras em português, e o quanto são complicadas se comparadas, por exemplo, ao inglês.
“Machucado“ sugere algo mais grave do que “hurt“.
“Berinjela" soa legal, mas nada como a simplificação de “eggplant“.
“Penduricalho“ já parece rococó no nome.
“Serpentina“ é tão longa quanto o próprio rolinho de papel.
“Rocambole“ é palavra que se enrola toda.
“Pseudônimo“, não dava para arrumar outro nome para isso?
E os exemplos não acabam.
Isso sem a gente contar os nomes que vem do tupi-guarani, tão complicados quanto sonoros.
Não deve ser tarefa fácil sermos entendidos na língua pátria.
Deve ser por isso que o brasileiro desenvolveu tão bem o sorriso fácil, o batuque, a receptividade e a caipirinha, que tanto agradam os estrangeiros.
Foi a maneira de se comunicar numa linguagem universal que dispensa qualquer regra de gramática.
Aí os gringos vêm, gostam, ficam, e aprendem o português tão rápido que eu fico até com vergonha de ainda falar um inglês tão capenga.

Vira-latinhas de caviar


Acabo de ver uma entrevista com o Joel Santana, o técnico brasileiro que vai comandar a seleção sul-africana, anfitriã da próxima copa.
O Joel, que esteve recentemente em evidência na mídia não por ser um brasileiro bem-sucedido lá fora, mas pelo inglês precário que desinibinadamente vomitou em entrevistas e que por isso foi motivo de deboche em programas de tv e videos de sites.
Era justamente disso que o folclórico treinador reclamava, de prestarem mais atenção aos seus modos trapalhões do que as suas conquistas profissionais.
Tem razão o Joel, mas ele não é a única vítima dessa mania que brasileiro tem de achincalhar quem se sobressai, mesmo aqueles que atingem status de sumidade internacional.
Vide por exemplo, Rubinho Barrichello, que teve o azar de herdar a sombra de Ayrton e, parte por causa disso, nunca foi respeitado.
Lembro que o Guga, apesar de ter sido o número um, era sempre muito criticado quando perdia em primeiras rodadas, assim como pelos maus resultados do crepúsculo da carreira.
Paulo Coelho, apesar do enorme sucesso em tantos países, por aqui é visto como um canastrão sortudo.
Rodrigo Santoro foi ridicularizado ao dar a cara para bater em pequenos papéis de filmes americanos, em vez de ser valorizado por ser nosso representante em hollywood.
E por aí vai, a lista de exemplo é extensa e só torna evidente que ainda não conseguimos superar o complexo de vira-lata, que Nelson Rodrigues tão bem diagnosticou como traço da psiquê brasileira.
O fato que provocou o insight no jornalista, nossa derrota desastrosa em casa para o Uruguai em 50, foi só a gota d'água de tantas manifestações que levaram Nelson a concluir que somos vítimas de um derrotismo arraigado.
Mas, deixando de lado a investigação de suas causas, eu me pergunto o que fará um dia o brasileiro tirar o rabo entre as pernas e, da mesma maneira que nossos hermanos argentinos, aprender a valorizar suas próprias qualidades e virtudes.
Porque me parece que quando destruímos nossos heróis, quando não aceitamos seus lapsos de desempenho, estamos na verdade só confirmando nossas suspeitas de ser um povo inapto, vagabundo.
Uma vez já disseram "Infeliz do país que precisa de heróis".
E o Brasil se encaixa como uma luva nessa categoria de país.
Como se em cada cidadão não pudesse brotar a centelha do herói que toma a iniciativa de fazer acontecer a própria vida, minimizando a carência pelo sucesso projetado nos feitos dos outros.
Chega de ser república das bananas, país do futebol, ponto de turismo sexual.
Chega, principalmente, de ser um grande país em potencial.
Viva Joel Santana e Felipão.
Paga pau de gringo, o caralho.

sábado, 22 de agosto de 2009

Manifesto da mediocridade

Nem excelente nem péssimo.
Este texto é dedicado ao mediano, médio, mais ou menos, meia-boca, medíocre.
Viva a mediocridade.
Viva a nota 5, que nos faz passar na matéria raspando, quase sempre colando.
Viva a classe média, aquela que sustenta o país, gerando e torrando a riqueza.
Viva o gosto médio, pois sem ele não se sobressairia o refinado.
Viva o carro de potência média, que nem morre na ladeira, nem mata o motorista.
Viva a(o) garota(o) mediana(o), que não deixa você ficar no zero a zero.
Viva o preço médio, parâmetro para você negociar.
Viva o hotel 3 estrelas, o de melhor custo-benefício.
Viva a medalha de bronze, limite entre fracasso e sucesso.
Viva o emprego médio, que nos motiva a evoluir.
Viva a estatura média, que evita o complexo.
Viva o meio-campo, cérebro do time.
Viva a inteligência média, que não escraviza o dono.
Viva o dia mediano, intervalo entre os altos e baixos.
Viva o meio-termo, que faz os acordos.
Viva a temperatura mediana, que dispensa o ambiente climatizado.
Viva a média, pingado e pão com manteiga.
Viva o médio, que no fundo é o máximo.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Cálculo de risco

Logo que se recuperou do acidente que queimou seu rosto, a preocupação do piloto Niki Lauda era voltar o mais rápido possível ao cockpit do seu carro. Ele sabia que o que talvez o impedisse de correr de novo não seriam as queimaduras e sim as sequelas emocionais. Lauda acelerou fundo novamente, superou o trauma e tornou-se campeão.
O mesmo deve acontecer com o piloto Felipe Massa assim que este se recuperar do acidente recente com a mola que se soltou do carro do Barrichello. Sua mulher chegou a declarar que gostaria que Felipe abandonasse a fórmula 1. Já o corredor considerou o acidente normal, apesar de ter colocado sua vida em risco.
O que me faz pensar que viver perigosamente é uma questão de ponto de vista.
Os pára-quedistas consideram seu esporte muito seguro, por exemplo.
Mas há passageiros que precisam tomar calmantes para enfrentar um vôo de avião.
O limite entre o seguro e o perigoso está dentro de nós.
Quando o friozinho na barriga deixa de ser um prazer para se tornar sacrifício, cabe a cada um decidir o que fazer com seu próprio nariz.
Confesso que não pratico uma margem de risco tão larga quanto gostaria.
Mas estou sempre tentando esticá-la, empurrar o limite pra frente.
Porque acho mesmo, repito, que risco é uma questão de ponto de vista.
Já ouvi falar de gente que morreu escorregando e caindo no chão do banheiro.
Então, se é para morrer, é preferível que seja escorregando num skate.
O Lauda e o Massa com certeza iam preferir o skate.

A arte que nasceu produto


Eu não entendo quase nada de arte, digo, artes plásticas.
Li algumas biografias de pintores e se muito, dei uma passada por alguns museus.
Tenho a impressão de que arte, assim como o jazz, a música clássica e o cinema alternativo, exigem algum tempo para que o apreciador seja fisgado.
Essas manifestações não foram concebidas para gerar mercado de massa, e portanto, não atendem a regrinhas de marketing.
Mas existem artistas que mesmo que a gente não entenda de arte, é bater o olho no trabalho para se encantar. Como se entender de arte, assim como uma estratégia para atrair "consumidores" fossem dispensáveis.
É o caso do Gustav Klimt.
A obra de Gustav Klimt cai tão bem na parede de um respeitado museu como na estampa de uma camiseta. E para quem vê pela primeira vez, não dá para saber para que fim foi concebida, arte mesmo ou arte aplicada.
Há alguns anos eu viajava pela Europa quando sem querer acabei fazendo uma conexão em Viena.
Naquele tempinho que fiquei esperando o vôo, baixou uma vontade grande de dar uma escapada do aeroporto para conhecer a dita "Paris do Leste".
E isso foi motivado não só pelo gene inquieto de andarilho que carrego no sangue, mas principalmente pelas bugigangas à venda no aeroporto que traziam a marca de Klimt.
Camisetas, caixas de chocolate, latinhas de chá, tudo era estampado com aquelas pinturas de inspiração oriental que o mestre se esmerou em reproduzir.
Conhecer a terra natal de um artista diz muito sobre sua obra.
Essa eu fiquei devendo a Klimt.
Mas um dia eu volto.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Em tempos política e ecologicamente corretos...

Os três porquinhos seriam condenados por matar um animal em extinção.
Da mesma maneira que Chapéuzinho, a vovó e o caçador.
"Branca de neve e os sete anões" seria rebatizada para "Branca de neve e os sete verticalmente comprometidos".
"Atirei o pau no gato" seria banido do repertório dos maternais - o que de fato aconteceu.
A gata borralheira exigiria de sua patroa o pagamento de insalubridade.
Neguinho da Beija-Flor mudaria seu nome para Afro-brasileirinho da Beija-Flor.
O saci teria que dar uma saidinha lá fora para fumar seu cachimbo.
O patinho feio processaria a mãe e os irmãos por ofensa.
Resumindo, só não existiria o politicamente correto para substituir "senado brasileiro".

Questão de tempo

O tempo não passa de uma sensação.
Uma convenção que inventamos para ninguém perder o prazo de entrega de um projeto, nem a noiva chegar atrasada no altar.
Tempo, como diria Einstein, é relativo.
Uma das maiores fantasias humanas é viajar através do tempo, o que hipoteticamente é possível desde que atinjamos a velocidade da luz, como foi demonstrado em "O planeta dos macacos".
A passagem do tempo fica mais clara no envelhecimento. Não do nosso próprio rosto, mas daquelas pessoas que a gente não vê desde o colégio.
Eis que de repente aparece na sua frente aquela ex-menina lindinha da sua sala, que se tornou uma senhora mãe lindona de 3 filhos, agora de olhos bem cansados.
Você entra no elevador e dá de cara com aquele sujeito que você nem lembrava que continua sendo seu vizinho, e aí se pergunta se você deve parecer para ele tão mais velho quanto ele parece a você.
Aquelas noites mal dormidas por causa de demissões, fins de relacionamento, obras que não acabavam, de repente são apenas vagas lembranças de sofrimentos sepultados.
O tempo cura quase todos os males.
Uma das exceções é o próprio mal que o tempo causa ao passar tão rápido.
Ansiedade, pressa, angústia de não conseguir aquele tempinho livre básico só para a gente.
Hoje em dia o tempo é tão raro que deviam leiloar.
Ou virar escambo, com hippies desocupados fazendo uma fortuna ao vender seu tempo livre a workaholics esbaforidos.
O preço do tempo acabaria inflacionado, a medida que chegasse o final das férias, do ano, da vida.
Apesar de escasso, a gente sempre acaba desperdiçando mais tempo do que poderia.
Na verdade, nem sempre o desperdiçamos.
As vezes o famoso "dar um tempinho" é o prazo que o próprio tempo pede para encontrar as soluções que não vem de bate-pronto.
O intervalo para atar as pontas soltas da linha do tempo.
Porque o tempo sempre dá um jeitinho de esclarecer as coisas, dizem que é o senhor da razão.
Mas deveria mesmo é ser conhecido como o senhor da emoção.
Ué, não é a emoção e só ela, que nos faz lembrar que de fato algum tempo remoto existiu?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Escolha profissional no século XXI

Em algum lar brasileiro do ano 2078, um rapaz aborda seus pais durante o jantar:
- Pai?
- Que foi?
- Lembra de que eu fiquei de pensar nas minhas opções profissionais para o vestibular?
- Sim, claro, já se decidiu?
- Então, era sobre isso que eu...
- Ih, não vem com aquela conversa mole de novo.
- Mas pai, é uma questão de vocação.
- Vocação? De novo com esse papo! Eu...
- Psiu, vamos respeitar a hora do jantar? Depois vocês conversam...
- É você quem estraga a cabeça desse menino. Falei pra não dar liberdade demais, que isso enche a cabeça da molecada...
- Mas você deixou a Luiza seguir o caminho dela.
- Sua irmã é caso diferente, ela casou bem, com um marido que põe a comida na mesa, paga as contas...
- Mas, pai, quem disse que eu não posso me sustentar sozinho?
- Ok, me diz tuas opções que eu te dou minha opinião. Vai, pela ordem.
- Primeiro, medicina. Depois, direito. E por último, computação.
- Tsc, tsc, tsc. Criamos um idealista, Marta.
- Benhê, confia no Juninho. Tenho certeza que vai dar um ótimo cirurgião, né, amor?
- Pai, confia em mim, eu vou ralar.
- Mas filho, quantas vezes preciso te falar? Que essas profissões já não dão nada faz tempo. Veja o caso do Rodriguinho. Que baita ator é o seu primo.
- E a Miriam? Nossa, artista plástica fenomenal.
- O Guto, cineasta. O filho do Armando tá fazendo fortuna, Juninho.
- Eu sei, pai, mas tenho que seguir meu coração.
- Coração não enche barriga, Junior. Mas ok, você me venceu pelo cansaço. Faça o que quiser da sua vida que eu vou te apoiar.
- Jura?
- Fazer o quê. Pelo menos o curso de medicina sai mais em conta. Ninguém quer se formar nessa porcaria de carreira, mesmo.
- Obrigado, pai. Pode deixar que eu não vou decepcionar.

Jr sai da mesa do jantar. Os pais conversam sobre o garoto:
- Ué, pai durão, até estranhei você ter dado o braço a torcer assim.
- Bom, pensei, podia ser pior.
- Pior como?
- Ele podia ser caretão.
- Nossa, Deus me livre...
- Já pensou, nosso filho, não consumindo nenhum tipo de droga?
- Vira essa boca pra lá...

domingo, 16 de agosto de 2009

Sucesso é coisa de nerd?

Numa passagem de um livro que estou lendo, há um relato de que os diretores Martin Scorcese, George Lucas, Steven Spielberg e Brian De Palma, que estes preferiam se reunir em mesas de bar para discutir cinema do que se divertir com drogas e garotas.
Só pode ter sido o comentário maldoso de alguma garota rejeitada.
Mas independente desse rótulo pejorativo, o de ser nerd, fato é que não se chega muito longe em qualquer área sem um certo período de intensa dedicação.
Até bater seu recorde de Grand Slams, a vida de Roger Federer, de segunda a segunda, se resumia a aeroporto, hotel, preparação física e jogos. Agora que ultrapassou todas as marcas e nasceram suas filhas gêmeas, não sabemos quais serão suas prioridades.
O playboy Alexandre Accioly, até entrar no jet set dos novos ricos badalados e namorador de globais, declarou que trabalhara por 25 anos quase sem final de semana.
Diz-se que gênios como Michelangelo acordavam de madrugada para esculpir.
Stanley Kubrick atormentava o astro Tom Cruise de madrugada, enviando fax para este com sugestões quando ambos preparavam "De olhos bem fechados".
Antonio Ermírio levou uma vida monástica no comando do Grupo Votorantim, chegando de Caravan velha para bater cartão todos os dias na sua empresa - ele, que não andava com seguranças, chegou a ser perseguido por sequestradores e escapou por pouco.
A atriz Giovanna Antonelli, quando gravava seu primeiro grande sucesso, a novela "O clone", declarou que dormia nos estúdios do Projac para dedicar mais tempo as leituras de roteiro.
Claro que existe um certo mito do cara que veio do nada e a custa de muito trabalho se transformou num ícone de sucesso em sua área. Como se isso não dependesse de sorte, oportunidade, talento e o famoso estar na hora certa no lugar certo.
Mas ainda há de nascer o grande talento que também não precisou suar bastante, seja por gosto ou por necessidade, para atingir o sucesso pleno.
Por isso, se você não tem talento para ser nerd na sua área, relaxe.
Talvez você tenha menos momentos de palco, de manchetes, de holofotes apontados para você.
Em compensação vai ter mais tempo para as garotas (ou garotos), amigos, filhos, hobbies, paz e tudo o que nem o dinheiro nem o sucesso conseguem comprar.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O clube do Groucho Marx

Claro que quando Groucho Marx declarou "Eu não frequento clubes que me aceitem como sócio", ele estava apenas proferindo mais uma de suas inteligentes tiradas.
Se a frase denota uma postura blasé ou não, é difícil dizer. Acho que não, mas precisaria ler alguma biografia fidedigna para conhecer a personalidade do comediante.
Mas enfim, não é uma frase que deve ser seguida como conselho de vida.
Já pensou, passar a vida implorando para entrar em lugares onde você não é aceito?
Que preguiça...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Reles mortal

Na versão original do filme "A morte pede carona", o mocinho, o ator C. Thomas Howell, de tanto ser perseguido pelo caronista assassino, acaba tendo alucinações.
Começa a enxergar seu algoz, que não passa de um assassino, como um ser sobrenatural, porque este o assombra o tempo todo e em todos os lugares.
Até que o mocinho desiste de fugir de sua "assombração" e passa a ver seu perseguidor como de fato é, um reles ser humano. Assustador, mas um ser humano.
A partir daí a história dá uma guinada e vou parar por aqui senão conto o filme inteiro.
Toda essa exposição foi só para ilustrar minha tentativa de, nesse momento, acordar das minhas alucinações e encarar meus medos como fez o mocinho do filme.
Parar de fugir e passar a caçar ferozmente esses medos de carne e osso.
Até morder, abater e enterrar.
Sem dó.

Meus dois pais

Domingo passado foi dia dos pais.
Acordei sábado, pensando em desistir de ir a cidade do meu velho. Mas não consegui.
Pensei "ainda tenho pai, preciso ir dar um abraço no meu". E fui.
E como o coração tem sempre razão, não me arrependi.
Hoje meu pai não é mais aquela fortaleza de antes, o cara forte que esbanjava saúde toda quarta-feira, jogando pelada com os amigos.
Está velhinho, 70 anos nas costas e um príncípio de catarata nos olhos.
Ele que teve uma boa condição financeira quando na ativa, hoje está vivendo de aposentadoria oficial. Merreca.
É duro ver seu pai envelhecer.
Porque você não espera que isso vá acontecer um dia.
Não era o combinado.
Inverter os papéis? Como assim?
Mas é assim mesmo.
E tem dias, confesso, que queria me esconder debaixo das asas dele, receber um cafuné reconfortante e ouvir através daquela voz forte e grave os conselhos sábios de pai para filho que tanto me consolavam.
Mas sei que não dá mais.
Porque esse pai a que me refiro já não existe.
É o pai que dormiu noites e noites em hotéizinhos de terceira e até dentro do carro, na beira de estrada, quando viajava para prospectar clientes que o recebiam com a porta na cara.
O pai que mesmo endividado comprou as bicicletas prometidas aos seus quatro filhos no natal.
O pai que quebrou sua pequena empresa, mas conseguiu dar a volta por cima e se levantar, como empregado de outra.
E que, começando a vida como operário, dormindo em chão de fábrica, conseguiu fazer muita coisa pela família e por ele mesmo.
Então, nos dias em que estou fragilizado, eu me aconselho com ele.
Eu peço a Deus para ser tão corajoso e determinado quanto ele.
Como aquele pai forte, o de antes.
Ao meu pai de hoje, eu não peço nada.
Só reservo todo meu carinho e compreensão.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Sem um pé nas costas


Lars Grael, ao lado de Ronald Seifert, acaba de conquistar a medalha de bronze no Campeonato Mundial de Star.
E daí?
Daí que o barco da dupla Robert Scheidt e Bruno Prado ficou em 11º lugar.
E daí?
Daí que o Lars ganhou o bronze com um pé nas costas.
E daí?
Daí que esse pé nas costas na verdade é a falta de uma perna mesmo, pois o Lars é deficente físico.

A segundinha


Assim como o segundo em qualquer coisa, a segunda-feira também nasceu para ser secundária, um dia, por assim dizer, barrichelesco.
Isso poderia ter sido evitado, se o homem lá de cima abrisse mão de tentar lembrar as pessoas de que a segunda-feira é de fato o segundo dia da semana, que oficialmente começa no festejado e folgado domingão.
Mas por que não chamá-lo de primeira-feira?
Ou, numa licença poética, de dia abre-alas?
Não adiantou, porque as pessoas sempre vão associar a segunda-feira ao primeiríssimo dia da semana. Afinal, o domingo pertence ao final de semana, certo?
Nesse contexto, a segunda-feira seria uma espécie de ovelha negra da família semanal.
Um dia fadado a ser odiado pela maioria da humanidade.
Porque é na segunda que as dietas começam.
É na segunda que está marcada a reunião do projeto que fez você perder o fim de semana no escritório.
É na segunda que você lembra das contas a pagar.
É na segunda que as aulas recomeçam - mesmo que você não seja mais aluno, fica o trauma.
É na segunda que você acorda com sono, porque bagunçou seu relógio biológico na noitada do sabadão.
É na segunda que você passa o dia quebrado, porque no fim de semana esqueceu seu sedentarimo e deu uma de herói na pelada entre amigos.
É na segunda que você se lembra de que precisa dar o primeiro passo dos projetos pessoais engavetados.
É na segunda que você tem que ouvir aquele colega contar que teve um fim de semana fenomenal (exagero, claro), enquanto você ficou em casa vendo DVD - por opção, mas ficou.
Por outro lado, a segunda também tem o mérito de ser o dia do recomeço, da reação, do início da volta por cima.
Mas não adianta, pegaram mesmo a segunda-feira de Cristo do calendário.
A segunda-feira só é bacana quando cai num feriado.
Quer dizer, médio.
Porque sempre haverá os que dirão "por que não caiu na terça pra gente emendar?".
Segunda-feira não tem conserto nem quando nasce um dia bonito.
Principalmente se no fim de semana fez tempo ruim, aí com certeza irão reclamar "merda de segunda-feira ensolarada..."
Deviam fazer logo um favor à segunda-feira e à toda humanidade, começando a semana na terça.

O divisor

Aquela noite não tinha nada de especial, só uma saída com as amigas para uma festa do tipo "não sei quem conhece o dono da casa".
Por isso a menina nem ia se demorar muito na frente do espelho, só ajeitar o cabelo que já estava sedoso e perfumado.
Mas joga pra lá, joga pra cá, ela reparte as mechas e avista o intruso. Um único fio de cabelo branco, que, meio retorcido, constrastava com o restante da cabeleireira de comercial de shampoo.
Num primeiro momento o fio branco solitário até sumiu, forçando a menina a apertar os olhos para encontrar de novo o danado.
Mas fio branco, principalmente o primeiro, é vaidoso, egocêntrico, teima em aparecer. Não foi difícil pinçá-lo entre os "saudáveis".
Logo o fio era uma presa fácil entre os dedos da menina e, se tivesse um rosto, a gente veria aqueles olhos de súplica do cabelo pedindo por sua vida, ou melhor, restinho de vida.
Só que a menina hesitou.
Um devaneio inesperado fez com que ela freasse seu ímpeto assassino e poupasse a vida do fio.
Afinal, aquele não era um fio qualquer.
Deus sabe quantos viriam na sequencia - tomara que poucos - mas aquele era o fio da virada. Da passagem. Da mudança. Da transformação.
Ou sei lá como deveria chamar o processo.
Poderia ser até a síntese do sofrimento acumulado nos seus poucos anos de vida. Da boneca que sumira. Das brigas familiares. Da primeira desilusão amorosa.
Ela só sabia que por ora deveria preservá-lo.
Depois até podia arrancá-lo, para guardar numa caixinha de veludo.
Mas naquela noite ela só o escondeu lá no meio dos outros.
E pra que ninguém visse, amarrou um lenço na cabeça.
Era um segredo que queria guardar por enquanto, até das amigas mais íntimas.
Que a essa altura não paravam de bater na porta do banheiro, impacientes.
Mas que tivessem paciência, ora essa.
Não é toda hora que a gente acha o primeiro fio de cabelo branco da nossa vida.
E melhor do que isso, não é toda hora que a gente percebe supresa que ele nem pesa tanto assim.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Energia

Desde que aprendi noções básicas sobre física quântica, meu interesse pelo assunto energia cresceu.
Saber que a matéria não existe e que tudo que vemos e tocamos não passa de energia com informação, me deixou mais atento aos cuidados que devo ter com meu corpo e estado de espírito.
Louco isso, de saber que seu pensamento altera o seu corpo, mexe com a sua saúde.
Lembro sobre algo que a Lucia falou, sobre evitar sair de casa à noite naqueles dias em que nada deu certo, dias zicados mesmo.
Faz sentido, menos por superstição e mais porque com energia, a falta ou o excesso dela, não se deve brincar.
Isso me faz lembrar que outro dia, quando perguntado se acreditava em Deus, se tinha religião, se rezava, fiquei reticente, pensando que não me encaixava exatamente no perfil de um religioso.
De fato, se hoje tenho uma fé, ela se baseia em energia positiva, em evitar uma montanha russa energética desnecessária.
Nada precisa ser tão trágico - a não ser as tragédias - nem tão fantástico que faça a sua energia ficar oscilando até desarranjar seu organismo.
Daí que evitar que meu emocional vire um ralo de energia tem sido o meu esforço e porque não dizer, a única religião que eu pratico.
Nisso tem sido fundamental não tomar atitudes precipitadas, conseguir segurar aquela onda que torna probleminhas verdadeiras sinucas de bico.
Por isso, só peço uma coisa ao meu destino, a Deus, a quem quer que seja.
Que daqui para frente eu consiga usar minha energia a meu favor.
E se para isso eu precisar ajoelhar e rezar, então que seja essa a minha religião.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Liberdade é uma calça


Às 17h30 as duas mulheres já estavam prontas para colocar o plano em ação. Vestidas em suas fardas improvisadas que lhe caíram muito bem - modelo que elas copiaram de fotos de policiais em jornais - elas ensaiavam apreensivas os passos da fuga, como duas atrizes pouco antes da estréia da peça.
Com palavras de incentivo, as outras mulheres do cativeiro davam força, embora estivessem mais apavoradas do que as próprias protagonistas do motim.
Quando a chave girou no trinco, o coração veio à boca de todas, o que inundou a sala de costura com um silêncio funéreo.
Juanita e Mercedes pegaram seus revólveres de brinquedo e tomaram posição de defesa atrás das caixas de material de armarinho.
A porta se abriu e por ela entrou o filho do capataz com um embrulho na mão, um rapaz de seus 15 anos, com camisa de time de futebol e gorro enfiado na cabeça.
Juanita e Mercedes pularam ao mesmo tempo por detrás da caixa e gritaram juntas, as armas de brinquedo tremendo em suas mãos:
- Alto, polícia!
Tremendo foi o susto do garoto, que este nem reparou que faltavam quepes, cinturão e botas, e sobrava sotaque gringo àquelas policiais improvisadas. O rapaz só teve tempo de jogar o embrulho contra as mulheres e sair em disparada pela rua, sem olhar para trás.
Com passos medidos, as duas pseudo-policiais chegaram à porta e colocaram a cabeça para fora, olhando desconfiadas para os dois lados da rua.
A rua com largura de beco estava quase deserta, de maneira que Juanita e Mercedes fizeram sinais para as outras mulheres para saírem atrás delas.
De repente todas estavam inacreditavelmente livres - ainda sem direção a tomar, mas livres.
Com os prédios do Bom Retiro ainda lhe fazendo sombra, Juanita e Mercedes se livraram do disfarce quase perfeito, atirando as fardas dentro de uma caçamba estacionada na rua. Fardas que tinham sido as mais perfeitas peças de roupa costuradas por elas. Perfeição na arte da costura que as colocara em cativeiro e agora, por ironia, as libertava.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Teimosia


Ser teimoso é insistir numa idéia, opinião, decisão, reclamação, que vai contra a lógica, os prognósticos, a tendência, a ordem natural, seja o que for.
É bater o pé mesmo, de birra.
A teimosia nasce quando lá no fundo algo diz que não se deve ceder, que se deve insistir em nadar contra a maré, mesmo que talvez você não consiga passar a arrebentação e acabe extenuado na beira da praia.
Quando reconheço em mim a teimosia, fico com medo.
A teimosia é como uma armadura que envolve o seu ego e o protege de quem tenta dissuadí-lo.
É uma força que redobra o sua disposição em não arredar o pé e ao mesmo tempo uma fraqueza que pode levar você a bancarrota.
Então como reconhecer se estamos sendo apenas conscientemente persistentes ou cegamente teimosos?
Teimosia é um defeito ou uma qualidade?
Depende, você vai dizer.
Por teimosia, ora você consegue resultados com que já não contava, ora dá com os burros n´água depois de dispender muita energia.
Eu gostaria de receber um sinal para decidir quando vou insistir em ser teimoso ou simplesmente entregar os pontos.
Mas aí seria fácil, não seria mais teimosia.
Teimosia é um burro de carga empacado no meio da estrada.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Você, por acaso é a...

Voltando ao assunto cinema, especificamente idolatria, lembrei do dia em que o Roger soube que a atriz Emmanuelle Béart estava em São Paulo para a premiére de um filme.
Ao ler uma notinha tímida de jornal anunciando sua aparição, o Roger não teve dúvidas: tratou de largar mais cedo o serviço, pegou sua câmera em casa e partiu para o local marcado para tietar a atriz.
Ao aportar no Espaço Unibanco à hora marcada, chegou a pensar que errara a data ou o local, pois contrastando com a esperada muvuca de jornalistas e fãs ao longo de um tapete vermelho, encontrou tudo bem vazio, e no lugar de flashes espocando na penumbra, a luz chapada do espaço.
Logo perguntou pela atriz e obteve como resposta um dedo apontado para as mesas do café.
Passeou os olhos pelas mesas e teve que esfregá-los muito para enxergar numa discreta mulher entretida com seu cafézinho, a figura da beldade Emmanuelle.
Mal acreditou naquela simplicidade, na total falta de glamour que não parecia afetar a atriz, decerto acostumada ao reconhecimento parcimonioso do circuito alternativo.
Mas já que estava lá para isso, Roger tratou de abordá-la para algumas fotos, com o consentimento simpático da atriz. Que depois das fotos, voltou ao seu cafézinho à espera da premiére.
Deve ser coisa de francês.
Ou de uma escola de cinema que coloca a arte à frente do estrelato.
Só sei que em tempos de reality show, é legal ver quem ainda prefira o prestígio à fama.

Madrugada dos anjos



A balada já entrava em curva descendente quando Gustavinho, já trêbado, viajando no seu próprio cyberespaço, avistou uma loira linda que parecia ser a própria fonte de luz negra da pista de dança. Claro, abordou-a:

- E aí, meu anjo, você caiu do céu?
- Psiu...por favor, não espalha.
- Não espalha o quê, chuchu?
- Você é o único que me descobriu.
- Modéstia sua, chuchu, olha quanto tubarão em volta.
- Não, eu disse que você descobriu que eu caí do céu.
- Tá me zoando só porque tomei umas biritas? Tô calejado, mina.
- Olha aqui atrás, por baixo do casaco.
- Vixi...é forro de pena?
- Não, mané, são minhas asas. Eu sou uma anja.
- E tá fazendo o quê, aqui?
- Ponta em filme do Win Wenders é que não é. Eu dei é uma escapadinha de casa, escondido do meu Pai.
- Quem é o seu pai?
- O mesmo que o seu, Deus, o Senhor lá de cima.
- Que pai nada, vai ser meu sogrão.
- Anjos não podem casar. Não podem nem paquerar, eu é que saio pra dar uns beijos de vez em quando.
- Já que tocou no assunto...
- Ih, sai pra lá. Eu tô paquerando aquele cara ali.
- O Luis? Não, todos menos o Luis. É o maior mau caráter, fura-olho da porra.
- Mas é um gato, hein? Me dá licença que eu vou lá falar com ele. Tenho que estar em casa daqui a pouquinho.
- Mas, anja, cê nem vai deixar eu gastar meu repertório de cantadas temáticas?
- Hã?
- Por exemplo, "Sabia que eu arrasto uma asa por você?".
- Tsc, tsc, tsc...
A anja se afasta do rapaz e caminha em direção ao seu alvo. Sem perder tempo, como uma mulher emancipada, ela o aborda:
- Seu nome é Luis, né?
- É sim.
- Gostei de você, gato. Quer ficar comigo?
- Não vai dar, gatinha.
- Por que?
- Porque você é um anjo que caiu do céu.
- Ih, você também usa essa cantada fraca?
- Não, percebi que você é uma anja mesmo. E meu pai não quer que eu me relacione com gente da sua espécie.
- Nossa, como você é grosso. Eu é que não quero me relacionar com gente da sua espécie.
- Ainda bem, né, meu anjo? Passa a mão aqui na minha cabeça.
A anja passa a mão na cabeça do rapaz e sente duas saliências bem no cocoruto. Ela sente também um cheiro de enxofre vindo do rapaz e afasta rapidamente a mão como se fosse queimá-la. O rapaz estenda a mão e se apresenta:
- Prazer, meu nome é Luis. Luis Cifer.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Meus casos de amor com o cinema


Atire o primeiro saco de pipoca quem nunca foi conferir um filme ruim só por causa de uma estrela de cinema.
Pode ser episódio de adolescência do qual você não se orgulhe ou, como no meu caso, fascínio declarado. Mas imagino que quase todo mundo já foi ver um filme só por causa do ator ou da atriz para quem se paga um pau.
Eu confesso que minha galeria de “ídalas“ vive recheada de opções que se renovam periodicamente e onde mantenho minhas hour concours.
Na minha lista constam divas do passado como Sophia Loren, Rita Hayworth, Brigitte Bardot, Kim Novak, Claudia Cardinalle, Grace Kelly.
Algumas nem tão antigas como Jacqueline Bisset, Catherine Deneuve, Nastassia Kinski (esta última, que escolhi para ilustrar este post, talvez seja minha preferida).
Outras dos idos de 80 e 90, como Demi Moore, Kelly Le Brock, Valerie Kaprisky, Emmanuelle Beárt, Emmanuelle Seigner, Julia Ormond, Natasha Henstridge.
E atuais como Jennifer Connely, Monica Bellucci, Rachel Weisz, Scarlet Johanson, Charlize Theron, Jessica Biel, Audrey Tatou, Elisha Cuthbert.
Isso sem contar as musas brasileiras como Vera Fischer, Nicole Puzzi, Leila Diniz, Aldine Muller, Darlene Glória.
Dá para ver que fui bem generoso ao escalar as mulheres que para mim valeram o ingresso do cinema.
A lista só não é maior porque a essa hora da noite tanto minha memória quanto o google me negam apoio.
E que me desculpem as mais talentosas do que belas como Hilary Swank e Kate Winslet - as quais, diga-se de passagem, admiro bastante - , mas tem dias em que mulheres que despertem minhas fantasias é tudo que basta no escurinho do cinema.

domingo, 2 de agosto de 2009

Um pouco de paciência, por favor

Sou oriental, calmo, gosto do diálogo, tenho todas as prerrogativas genéticas e adquiridas para exercer a sábia paciência.
Mas ultimamente tenho sofrido por não apertar a tecla "pause" quando deveria.
Quando digo "tecla pause" me refiro aquele momento em que deveria respirar fundo e contar até dez antes de tomar uma atitude precipitada.
Sim, tenho me levado pelo impulso, influenciado pelo calor da raiva, pelo temor infundado, pela opinião dos outros, e depois me arrependido.
Não estou dando um tempo para deixar a poeira abaixar e clarear as idéias para encontrar as melhores respostas.
Porque me esqueço que quase toda divergência na vida não passa de problema de comunicação.
As pessoas são diferentes, pensam diferente, interpretam as mesmas palavras, idéias e omissões de maneiras diferentes. Daí o problema de não se dar tempo ao tempo para esclarecer o dito ou o não dito de maneira adequada.
Da próxima vez que enfrentar um imbróglio por problemas de comunicação, vou tentar colocar a discussão em banho maria para depois resolver com mais calma e conversa.
Porque como diria minha mãe, "a paciência é uma virtude", "quem tem pressa come cru", "a pressa é inimiga da perfeição", "nada como um dia após o outro".
Das vezes em que ignorei essa sabedoria popular cometi erros, deixei o caldo entornar, joguei oportunidades de ficar calado fora.
Por isso hoje eu peço a mim mesmo: paciência, paciência, paciência...

sábado, 1 de agosto de 2009

Oásis


A vida deveria ser uma prateleira de Blockbuster, recheada de aventuras, comédias, suspense, etc.
Infelizmente a rotina é bem menos fantástica do que isso - certamente a gente nem acharia graça em ver filmes que só relatassem nossa vidinha.
Mas pelo menos para o dia-a-dia não se tornar demasiado maçante, eu tento pôr em prática um truque que aprendi com a Lucia.
Sabe quando você sente que está vivendo no piloto automático, batendo cartão em afazeres diários repetidos a exaustão?
Dê uma quebrada no ritmo com alguma coisinha extra agenda.
Pode ser uma parada num café para tomar uma xícara do seu capuccino favorito.
Ou passar numa loja de discos raros e pinçar uma jóia pra sua coleção.
Ou ligar pra um amigo com quem há tempos você não troca nem um email.
É simples, é prosaico, mas faz uma grande diferença no cotidiano.
Tira você da pressão, daquele encadeamento de tarefas cronometradas que fazem você acreditar que está preso a uma sina.
É a necessidade que o corpo e a mente têm de ficar offline por um tempinho.
Então, como diria aquele slogan de chocolate, Have a break.
Pode ser um banho de ofurô, uma massagem express, um doce de padaria, um passeio descalço pelo gramado da pracinha.
Se a rotina está muito árida, dê um pulinho até o seu oásis para se recarregar e depois volte.
Ou não.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Reputação

Que reputação você defende?
Você decerto é valorizado(a) por uma qualidade ou habilidade que o(a) distingue entre os seus pares, ou seja, a sua reputação.
Tem o intelectual que defende a reputação de inteligente.
A linda-maravilhosa que sustenta a fama de inatingível.
O brucutu que mantém sua fama de mau.
Uma reputação não é julgada por um código moral.
Uma reputação é boa ou má somente pelo grupo e o contexto cultural que a referenda.
Por exemplo, uma puta que tem boa reputação é que faz o "serviço completo" muito bem feito. Ao passo que isso passa a ser má reputação num convento.
Um assassino com boa reputação é o que não nunca deixou a mínima prova de seus crimes.
Assim como o político com boa reputação não é o bonzinho, mas o "esperto", que se equilibra na linha tênue entre malandragem e oportunismo.
Então, voltando à pergunta do começo, a que reputação você se aferra?
A melhor parte da reputação é que no momento seguinte você sempre pode contradizê-la.
É assim que volantes de contenção marcam gols.
É assim que padres fazem corar.
É assim que putas casam.
E aí, que reputação você vai perder hoje?

Vivi?

Li em algum lugar que na lápide de Pablo Neruda está gravado o epitáfio "Confesso que vivi", que intitula sua autobiografia.
Que invejável saideira, hein?
Fico imaginando que contabilidade o Neruda fez para chegar à conclusão de que fechou a conta de sua vida no azul. Decerto que para um artista, ter conseguido eternizar sua obra somou vários pontos para o famoso "valeu a pena". E para um poeta ter chegado à conclusão de que sua passagem por aqui foi gratificante, não deve ter-lhe faltado amor, paixão, amizade e até, por que não, sofrimento construtivo.
Agora, eu me pergunto, o que fará, eu e você, chegar à mesma feliz conclusão de Pablo Neruda?
Existe plano de vôo nessa vida que garanta o não arrependimento no juízo final?
Respostas, só no fim da linha.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Os clássicos

Lembro que quando eu trabalhava com o Heitor, que na época era redator publicitário e hoje é um famoso cineasta, ele me dizia que quem quisesse entender a alma humana, que lesse os clássicos.
Não sei se era coisa da cabeça dele ou citação, mas guardei o conselho.
Até ali eu não tinha lido muitos livros dos chamados clássicos. E desde então não acrescentei muitos títulos desse calibre ao meu repertório.
Mas o conselho do meu ex-colega voltou a tona agora que meu livro de cabeceira da vez é Crime e Castigo, de Dostoiévski.
Mal passei da metade do livro, mas já noto que, qualidade de tradução a parte, Dostoievski era um entendedor da alma humana acima da média.
Tanto que na contracapa dessa edição há uma citação de Nietzsche que diz "Dostoiévski é o único psicólogo que tem algo a me ensinar".
Quando se trata de descrever sutilezas do comportamento humano, dá para perceber que o gênio russo realmente entendia do riscado.
Eu, que atualmente estou fazendo a reforma de um apartamento, e vira e mexe me deparo com problemas relacionados ao microcosmo fofoqueiro e intrometido de um condomínio, bem que gostaria que o mundo fosse mais solidário, amoroso, compassivo. Mas dá para perceber que, assim como naquela fábula o escorpião não consegue negar sua natureza traiçoiera, muitos moradores de condomínio também não conseguem evitar sua tendência a hostilidade com os recém-chegados. Talvez por instinto de preservação, conservadorismo, sei lá. Mas não deixa de ser uma evidência de que a natureza humana é complexa, permeada de sentimentos nem um pouco nobres como inveja, rancor, ciúme e afins. Heitor estava certo, vou ler mais clássicos.

domingo, 26 de julho de 2009

Entre o Hoje e o Amanhã

O Amanhã encontrou o Hoje todo preguiçoso e foi tirar satisfação com ele.

- Escuta, Hoje, eu não aguento mais fazer as coisas que você não resolve. Não vê que eu estou sobrecarregado?
- A culpa não é minha, Amanhã. São as pessoas que tiram minhas tarefas e as passam para você. Apesar do ditado "Não deixe para amanhã...
- Eu sei, eu sei, mas a culpa também é sua. Por que você nunca se mostra mais disponível?
- Eu lá tenho culpa se as pessoas estão sempre ocupadas com o Urgente e se esquecem do Importante? Elas que deveriam ser mais seletivas.
- Mas é você, Hoje, que deveria passar mais tempo com o Importante do que com Urgente.
- É que o Urgente é mais prático, ele sempre diz o que eu tenho que fazer. Pagar contas, resolver o trabalho, malhar, comer. Já o Importante me exige mais, nunca vem com respostas prontas, sabe?
- Ô se sei. É o Importante que me sobrecarrega com tantas tarefas. Para mim ficam os amigos por reencontrar, a reviravolta profissional, os sonhos, as palavras não ditas ao ser amado, a gratidão aos pais, uma infinidade de tarefas adiadas.
- É muita coisa, né? Como diria aquele filme do 007, o Amanhã não é o bastante.
- Não seria "O Mundo não é o bastante"? Deixa pra lá, mas voltando ao meu problema, não tem como você passar mais tempo com o Importante?
- Está difícil, sabe? As pessoas andam histéricas, movidas pelo ponteiro do relógio. Elas estão vendendo o horário do almoço para comprar o horário do jantar.
- Eu sei, andam muito preocupadas com performance, sucesso. Tadinhas, algumas se esquecem até de comer.
- Eu até preferia ficar mais com o Prazer do que com o Urgente. O Prazer é divertido, me deixa letárgico, com ele até esqueço de você, Amanhã.
- Pois é, vê se me esquece. Faz de conta que o Amanhã não existe. Aliás, eu pertenço mesmo ao mundo do faz de conta.
- O problema é convencer as pessoas disso. Elas sempre contam com você, Amanhã. Por isso o primeiro passo não é dado, as palavras ficam presas na garganta, as passagens são sempre remarcadas.
- Nossa, Hoje, como você está poético.
- Eu sou poético. A expressão Carpe Diem foi inspirada em mim. Mas voltando ao seu problema, eu só vejo uma solução.
- Qual?
- A gente tem que matar a Esperança.
- Ma-mas, você testá me propondo um assassinato?
- Sim, a Esperança é traiçoeira. Ela dá ânimo as pessoas, deixa elas acreditarem que um dia poderão ser ou fazer aquilo que desejam, só que isso é balela, conversa para boi dormir. Mas no fundo a Esperança só serve ao conformismo, a igreja, ao governo, aos times de futebol. Apesar de dar conforto aos necessitados.
- Bom, então ela é do bem, não podemos matá-la. Não podemos matar o Comodismo e a Preguiça, por exemplo?
- Esses dão mais trabalho de matar e não resolvem nosso problema.
- Ok, então, matemos a Esperança. Aliás, não é ela que está passando ali.
- Sim, vou chamá-la. Psiu, Esperança, vem aqui.
- Oi, Hoje, oi, Amanhã. Vocês me chamaram?
- Ã-hã, tenho uma supresa para você.

Hoje e Amanhã agarraram Esperança pelo pescoço, que para variar, resistiu firmemente e não sucumbiu. Até que soaram as doze badaladas, o Hoje virou Amanhã, o Amanhã virou Hoje, e ambos se esqueceram do que faziam com as garras fincadas no pescoço da Esperança. Soltaram-na e Esperança pôde fugir para um lugar inalcançável. Provando que ela, a Esperança, é mesmo a última que morre.

Banheiros de empresa


Um ou outro funcionário eventualmente pode se queixar de uma sala apertada ou cadeira de encosto duro. Mas no quesito desconforto os banheiros de empresa são imbatíveis.
Não vou nem levar em conta a opinião das mulheres, já que não fiz pesquisa e pelo que sei, boa parte delas têm bloqueios com banheiros públicos.
Fazendo um retrospecto das empresas por que passei, os banheiros nunca foram feitos para o conforto de nenhum tipo de usuário.
Quem vai lá pela necessidade de um urgente número dois, encontra cabines apertadas, que se comunicam por vãos por baixo das divisórias. Para piorar a falta de privacidade, alguns pisos utilizados refletem o vulto dos usuários, um constrangimento. E por último, em geral as descargas não têm potência suficiente para despachar tudo num só fluxo, deixando provas do crime a deriva.
Pior situação encontra quem vai lá escovar os dentes. Logo após o almoço, há sempre mais usuários do que pias e forma-se uma fila irritante, o que faz alguns desistirem para retornar mais tarde. Outro motivo para dar meia volta é o sujeito encontrar o ar com qualidade irrespirável, claro, porque depois do almoço também é horário de pico para praticantes do número dois.
Banheiro de empresa só é tolerável para homens que entram para um rápido número um, porque caso o ar esteja carregado, eles podem apelar a apnéia para não respirá-lo.
Em resumo, banheiros de empresa não foram feitos para momentos de relaxamento enquanto você exerce seu direito universal de evacuar produto líquido ou sólido.
Faz sentido, pois se os funcionários são avaliados por sua produtividade, que interesse teriam as empresas em que você gaste preciosos minutos colocando em dia a leitura de um livro ou jornal usando o horário do expediente?
É mais justificável que você perca esse tempo na sua mesa, enrolando, paquerando no messenger, vendo bobagens do youtube ou mesmo cometendo grandes besteiras nas suas tarefas.
Ou seja, se numa empresa você for surpreendido fazendo uma cagada, quase sempre não vai ser daquele tipo em que é pego com as calças na mão.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Profissão assaltante


Assim como a engenharia, a medicina e a advocacia, o assalto já foi uma área profissional mais promissora do que é hoje.
Dizer "mãos ao alto" no ramo do assalto um dia foi tão glamouroso quanto "sua hora acabou" em psicanálise - se bem que pelo preço da consulta, psicanálise também poderia se encaixar em assalto.
Mas dentro da extensa área da criminalidade, assaltante é uma profissão cada vez menos procurada.
Poucos ainda sobrevivem daquela modalidade de assalto com arma de fogo ou branca em punho,apontada para a vítima. Outros tipos de assalto menos perigosos foram criados e tiveram boa aceitação.
Por exemplo, o valet-assalto. O assaltante espera pela vítima em frente a um bar ou balada, e sem usar armas, consegue levar seu carro e no mínimo 15 reais.
Tem o câmbio-assalto, onde o assaltante ou cambista rouba da vítima uma valor até dez vezes maior do que ela diz que tem.
E ainda o táxi-assalto, onde o assaltante te sequestra, fica dando voltas e só deixa você sair do carro depois de esvaziar seus bolsos.
Mas todos esses assaltos ainda são menos rentáveis do que outras ocupações dentro da área do crime, como a corrupção, o hackeamento, a lavagem de dinheiro e o estelionato, que inclusive já estão saturadas tamanha a procura pelos jovens.
A incidência de assaltos caiu a níveis preocupantes para autoridades e sindicatos. Afinal, sem os assaltos, o que será do mercado de armas, de seguros, de alarmes, de blindagem, de estacionamentos, de travas multi-lock, de condomínios-fortaleza?
E o que dizer dos professores do crime, que de uma hora para outra se veriam desempregados sem alunos para ensinar?
Sem falar na indústria de bolsas e carteiras, que perderiam o volume de reposição dos acessórios roubados.
A conclusão é que a profissão de assaltante precisa ser atualizada conforme as demandas do mundo moderno.
Caso contrário os assaltantes brasileiros perderão a reputação construída com tanto sacrifício, que um dia colocou o Brasil no topo do ranking mundial.
Corremos o risco de um dia sermos visto como um país que só forma profissionais de péssima qualificação e que não metem medo em ninguém, os chamados assaltantes de geladeira.

A falta que o pragmatismo me faz

Que saudade do tempo em que o mundo se dividia entre comunismo e capitalismo, esquerda e direita, palmeiras e corinthians, e outros antagonismos que inflamavam mesas de bar em discussões apaixonadas sem fim.
Nos tempos atuais, onde a lei de mercado sozinha manda mais que a constituição inteira, vivemos a chatíssima ditadura do Power Point.
Onde feeling, cultura, sensibilidade, tradição, caíram em desuso em favor da obediência cega a uma lógica tosca de A mais B, a uma cartilha de fluxograma.
E valores como originalidade, bom gosto, capricho, personalismo e até uma dose de "marvadeza" foram atropelados pela mesmice, pelo bom-mocismo, pelo mal acabado, pelo raso.
Fomos reduzidos a uma fábrica de idéias e comportamentos banais produzidos em grande escala em algum canto da China.
Bom, aconteceu, mas e o kiko?
O kiko é que seria melhor se eu fosse um pouco mais pragmático. Que meu nível de praticidade fosse além daquela cota mínima que me obriga a trabalhar direito para deixar as contas em dia.
Eu me encaixaria melhor nesse mundo e seria mais fácil ser feliz.
Mas não, eu tinha que nascer rocambolesco.
Eu tinha que puxar ao meu pai sonhador e não à minha mãe pé no chão.
Eu tinha que preferir ficção do que notícia.
Eu tinha que escolher pelo design e não pelo custo-benefício.
Eu tinha que gostar mais de puxar assunto do que puxar pelo braço.
Eu tinha que apreciar mais fotojornalismo do que foto da praia.
Eu tinha que exercer a sinceridade do que o puxa-saquismo.
Eu tinha que me habituar mais a pensar do que agir.
Eu tinha que "um monte de coisas", de pouca praticidade para a vida.
Sei que não estou sozinho nesse grupo reduzido de triatletas que nadam contra a corrente. Talvez você também esteja insistindo nessas braçadas de pouco rendimento.
Mas somos minoria e ser minoria dá mais trabalho.
Não dava para ter nascido menos "bichinha"?

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Confusão desnecessária


Não sei se acontece aí na sua cidade, mas aqui em São Paulo existe a mania de dar dois, às vezes três nomes para a mesma rua ou avenida. Por exemplo, depois do cruzamento com a Rebouças, a Avenida Brasil passa a se chamar Henrique Schaumann. A Avenida Ricardo Jafet vira Abrahão de Moraes. A certa altura, a Vergueiro vira Domingos de Moraes e depois Avenida Jabaquara. E por aí vai.
Se existe uma explicação técnica para isso, desculpe-me a ignorância.
Senão, fico me perguntando qual a razão disso, que acaba gerando uma baita confusão na hora de procurar um simples endereço no guia de ruas.
Será que ficaram com medo da numeração crescer a tal ponto de não caber mais nas placas? Tipo, Rua Vergueiro nº 1893128744641241281208120876187, e resolveram zerar a numeração trocando o nome da rua?
Será que o homenageado merecia uma rua com no máximo uns 2 km, mas a rua cresceu além da conta e a partir daí resolveram homenagear outro?
Ou o homenageado tinha um pseudônimo pelo qual era mais conhecido e aí resolveram colocar ambos, nome e codinome?
Será que uma avenida, a partir de determinado comprimento, passa a ser rodovia? E para evitar uma avenida no meio da cidade, resolveram terminar a rua e começar outra?
Será que a bipolaridade está tão na moda a ponto de atingir até as ruas?
Será que a prefeitura recebeu reclamação de moradores que moravam na mesma rua, mas pagavam IPTUs de valores completamente díspares?
Com tantos nomes de rua inventados e bizzaros por aí, falta de espaço para homenagear figurões é que não deve ser problema
Isso me fez lembrar que lá no Rio quiseram mudar a tradicional e nobre Vieira Souto para Antonio Carlos Jobim. Mas os cariocas, sensatamente, voltaram atrás.
Se fosse por aqui, provavelmente iriam dividir a rua ao meio e dar um nome diferente para cada metade.
Será que São Paulo faz isso só para manter sua fama de cidade caótica?