domingo, 15 de janeiro de 2012

Seria o cérebro um alien?

Quando fui à Flip no ano passado, uma das poucas palestras a que assisti foi a do Miguel Nicolelis. Um dos poucos, senão o único palestrante cientista, em meio a dezenas de autores de ficção. Miguel surpreendeu com suas pesquisas e projetos para o desenvolvimento do exoesqueleto humano, capaz de fazer deficientes físicos recuperarem suas capacidades motoras. No paralelo, tive uma conversa com meus amigos a respeito do poder do cérebro. Levantamos a hipótese de ser um órgão com vontade própria, que age à revelia dos nossos comandos e racionalizações. Que fique claro que isso foi conversa de leigos, sem base em conhecimentos de neurologia, psiquiatria ou qualquer ciênca que nos pudesse demover de delirar com o assunto. Pois dentro da nossa ignorância ficamos discutindo se não seria o cérebro um sabotador de decisões do nosso livre arbítrio, exercendo uma função de manutenção do status quo. De acordo com a nossa "teoria", o cérebro teria uma programação de função auto-defensiva, que nos demoveria de tomar atitudes que ameaçassem nossa "sobrevivência" até então. O que chamo de "sobrevivência" corresponderia a continuar repetindo a mesma programação cerebral de sempre, para expor o menos possível a saúde cerebral e todo o resto do corpo. Mas teria o cérebro a capacidade de agir assim, deliberadamente, à revelia de nossa vontade consciente? Bem, sabemos o quanto é difícil sair da rotina, mudar, quebrar o hábito. Num livro sobre estratégias, soube que empresas deixaram e deixam de lucrar muito mais por sua dificuldade em promover pequenas porém potencialmente traumáticas mudanças internas. Mudar às vezes exige atitudes que vão contra nossas mais caras convicções. E embora saibamos que não se pode obter resultados diferentes com a mesmas variáveis, teimamos em tomar os mesmos remédios para velhos problemas. Ou será que o que não nos deixa tomar novos rumos seria esse inimigo interno chamado cérebro? Diriam que é fácil culpar os outros e, no caso, os outros moram logo aí no sótão - hellô-ôu? Ou seja, se você é chamado ou se chama tantas vezes de cabeça dura, a culpa não é da caixa torácica e sim do alien gosmento que a habita. Deve ser por isso que dizem que algumas das decisões mais importantes da vida devem ser tomadas com o coração e não pelo cérebro. O cérebro joga na retranca, é uma espécie de Parreira do seu corpo, recuando qualquer ímpeto mais audacioso para garantir o zero a zero. Mas convenhamos, zero a zero é um placar muito aquém das expectativas que qualquer um. Claro que na grande maioria das vezes o cérebro nos provê de resoluções práticas sem as quais nossa vida seria um caos ainda maior. Mas tenho quase certeza que em decisões capitais esse alien interno nos faz de meros súditos de seus arroubos tirânicos. O cérebro nos dá carta branca para tarefas automáticas de subsistência, mas é um juiz implacável de nossas tentativas de inovação. Tá certo que o cérebro é o zelador do corpo humano. Mas o fato de morar na cobertura não lhe dá o direito de vetar as obras de que o seu corpo e principalmente sua alma, podem estar urgentemente precisando.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Vivos

Quando saía do escritório hoje, alguns colegas que iam jantar para retornar à labuta, me convidaram para fazer o mesmo. Apesar de estar com o prazo do meu atual projeto se esgotando, declinei do nada apetitoso convite, sabendo que uma noite de sono poderia fazer mais pela minha produtividade no dia seguinte. Pude me dar a esse luxo por não estar com nenhuma sangria desatada, e principalmente, por me conhecer. Chegando em casa, liguei a tv e deparei com uma reprise do filme "Vivos". Para quem não sabe, é o relato verídico sobre os sobreviventes da queda de um avião nos Andes, que levava um time de rugbi uruguaio para uma partida no Chile. Em resumo, os passageiros tiveram que comer até carne humana para sobreviver aos 72 dias que ficaram à espera do socorro. O salvamento só chegou ao local graças à bravura de dois dos sobreviventes, que andaram mais de 100 km pelo deserto branco na esperança de alcançar a civilização. A certa altura da caminhada, quando um dos dois avista a cordilheira sem fim pela frente, ele diz, exausto "nós vamos morrer, não vamos?". Ao que o outro responde "não sei, mas se tivermos que morrer, será andando". Pensei comigo, pimba, acertei em ter voltado para casa. Principalmente porque ficar no escritório, apesar de minha responsabilidade, não é algo por que eu morreria. Longe disso. Aliás, há bem poucas coisas da vida pela qual vale a pena morrer. Um pai morreria por seu filho, por exemplo. Fora isso, há infinitamente mais razões para viver mesmo. Não li o relato de Nando Parrado, um dos que foram buscar o salvamento. Decerto deve descrever o quanto essa trágica experiência mudou sua mentalidade. Mas 99.8% de nós - ou algo próximo - não passará por um evento de quase morte antes de chegar o dia da dita cuja. Corremos risco sim é da experiência da morte em vida. E não me refiro, por exemplo, ao sentimento do final de um relacionamento. Faço menção ao tédio, ao marasmo, ao viver sem propósitos. De alguma forma o acidente foi um ponto de inflexão na vida dos 16 sobreviventes do avião, principalmente dos que foram buscar a salvação. Por cima das montanhas, decerto eles conseguiram enxergar um horizonte muito mais claro para suas vidas dali para frente. À grande maioria de nós, que não precisaremos galgar uma cordilheira por nossa sobrevivência, resta conseguir enxergar esse horizonte mais produtivo por cima dos obstáculos do dia a dia. A não ser que se opte por sentar e esperar salvamento. Já eu prefiro fazer côro às palavras de Nando Parrado: "se tivermos que morrer (ou metaforicamente, presenciar um projeto pessoal morrer), será andando".

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Leia mais

Na adolescência, meus pais me criticavam quando me viam introspectivo na companhia de um livro. Eles nunca foram leitores, portanto achava natural que preferissem me ver fazendo qualquer outra coisa. Eu nem era um leitor do tipo devorador, tampouco seletivo, lia best-sellers em doses homeopáticas e olhe lá. No entanto, o gosto pela leitura acabou definindo muito do que sou. Pra começar, abandonei uma faculdade de computação por uma de comunicação, me tornando um redator publicitário. Uma profissão que, embora mine as horas livres de quem a exerce, se alimenta de referências, em especial livros. Mas não quero me ater ao aspecto utilitário da leitura. A leitura, embora promova o refinamento da expressão falada e escrita, é mais do que uma ferramenta para atingir o sucesso profissional. As melhores obras literárias na verdade ajudam você a viver. Não digo que o livro substitua a prática, o "se jogar no mundo". Na prática, a leitura não passa de teoria. Mas muitas vezes, uma teoria formulada por quem viveu ou imaginou a vida no seu aspecto mitológico, na versão mais "cutucando a ferida" da história humana. Já se falou que "está tudo nos clássicos". E embora eu não seja a melhor pessoa para comprovar isso- li poucos -, sei que clássicos são assim chamados por trazer verdades fundamentais e atemporais. Não quer dizer que qualquer um que leia, por exemplo, "Romeu e Julieta", experimente uma epifania durante a leitura. Mas para cada um deve existir pelo menos um grande livro que seja transformador. O problema é que hoje não só falta tempo como também espaço para esse tipo de leitura, que requer instrospecção e reflexão, aflorar. Está difícil conciliar pocket-books com uma agenda cheia de atividades fast-food. Mas o perigo de viver a 20 twittadas por minuto é não perceber que podemos estar vivendo errado. Talvez uma vida que não escolhemos, voltada para o externo, o superficial. É aí que a leitura pode ajudar. Ela estimula um saudável debate interior entre você e seus conflitos. É paradoxal, mas um livro de ficção pode justamente nos tirar de nossas fantasias paralisantes. Pode prover o insight que falta para nos acordar. Experimente, ou experimente mais. Livro é uma solidão que vale a pena.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Começo de ano

Ok, ok, vão dizer que eu sou um pessimista, um baixo astral. Mas começo de ano, a bem da verdade, é um porre. Para quem ficou na praia, ok, balançar o gelo no copo com o pé na areia até que não é nada mal. Mas quem começou a trabalhar em ponto morto, tentando embalar na banguela, sabe do que eu to falando. Chega no escritório e encontra mais dezenas de colegas como você, se arrastando no carpete. Chega na mesa, a mesma papelada que você deixou ali alguns dias atrás, no meio dela contas e mais contas com vencimento em janeiro. O trabalho pendente também continua ali, à espera da solução adiada. Grande parte dos seus projetos pessoais para 2011 continuam em aberto, esperando que você os renove ou simplesmente descarte pelo ralo da consciência. Seu corpo, ainda no fuso horário das festas de fim de ano, só começa a despertar lá pelo meio dia, quando já é hora de incumbí-lo da difícil digestão do almoço - depois de judiá-lo recentemente com toneladas de pernis, perus, castanhas e panetones. Na volta da academia, a percepção de que o trabalho de meses foi jogado fora na mísera última semana do ano. No todo, a constatação de que você tem muitas pendências a cumprir e talvez não haja tempo, pois logo logo tem carnaval e na folhinha, oba, constam muito mais feriados que no ano passado. Tá certo que inventaram o calendário, fazendo lembrar que mundo dá muitas voltas, para que a gente não ficasse na inércia da linha contínua do tempo, empurrando o destino com a barriga. E isso acaba iludindo os bobinhos, deixando-os mais esperançosos e felizinhos. Mas convenhamos, começo de ano é uma enganação. Estão aí as vinhetas da Globo anunciando todos os filmes de 2009 e 2010 como se fossem estréias, que não me deixam mentir. Por isso, não se cobre tanto só porque 2011 não cumpriu nem com 30% das suas expectativas. Relaxe e goze, ou pelo menos, só relaxe. Deixe a tarefa de te cobrar para os boletos do IPTU, IPVA, matrícula e material escolar e tantas outras contas da época, que fazem lembrar que o 13º salário também foi uma ilusão.