sábado, 28 de agosto de 2010

A involução


O homem, segundo a teoria darwiniana, veio do macaco.
Precisamente daquele primeiro macaco que deixou de se apoiar nas patas dianteiras para se locomover e passou a andar mais ereto.
Daí evoluiu para hominídeos de várias espécies, como o Australopitecus, Homo Neanderthalensis e Homo Erectus, até chegar ao atual Homo Sapiens.
Agora, já se pode dizer que há outra espécie de hominídeo estabelecida, aquela que atingiu o, no bom sentido, mais alto grau de ereção: o Homo Placus.
Este novo homem se distribui por algumas subespécies, tais como Homo Placus Aureos, Homo Placus Atestadus Medicus e mais recentemente, o Homo Placus Imobiliarius.
Esta última é a que tem menor mobilidade, com seus exemplares sendo encontrados estáticos em calçadas das metrópoles, com placas-seta penduradas no pescoço, apontadas para futuros empreendimentos imobiliários em construção.
Degeneração da espécie humana, o Homo Placus Imobiliarius só se compara em grau de involução ao Homo Bandeirus Partidarius, espécie que só se reproduz de 4 em 4 anos, no período Mezozóico-Eleitoral.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A invenção da adolescência

Outro dia mesmo eu estava numa dessas palestras sobre mercado de consumo onde o tema era a geração de 30 anos, que os mercadólogos chamam de novos 20.
Eis que no meio do assunto a palestrante fala sobre uma era "antes do surgimento da adolescência".
E aí, eu me dei conta: é verdade, a adolescência é uma fase inventada.
Pois houve um tempo, onde a expectativa de vida era de uns 25, 30 anos, onde não havia fase de transição.
Passava-se da infância a fase adulta sem adolescência, como quem pára de brincar de casinha direto para brincar de dona de casa.
E se isso de fato acontecia, tese que um antropólogo pode confirmar ou desmentir, pode-se imaginar a pressa com que se vivia nesse tempo.
Talvez mais do que nos dias de hoje, vivia-se para um agora, um pra já, um futuro imediato ininterrupto, como se não houvesse amanhã. O que até havia, mas não muitos.
Mas será que as pessoas viviam numa pressa ainda maior que a de hoje?
Pois hoje, em função do trabalho massacrante e de problemas que consomem nosso tempo como burocracia e o trânsito das grandes cidades, parece que o tempo escorre cada vez mais fluido por entre os dedos.
Não sei não, mas tenho a desconfiança que mesmo com a expectativa de vida baixa daquele tempo, gozava-se muito mais o tempo físico do que agora.
Ou nos desenhos rupestres de cavernas há registro de estresse, trânsito ou jornadas de trabalho de 14, 15 horas diárias?
Acho que não, né?
Tudo isso que é causa ou consequência da falta de tempo, foi a gente quem inventou.
O que na verdade é um grande paradoxo da modernidade: aumenta-se a expectativa de vida para ter cada vez menos tempo.

Antigamente casava-se mais cedo em função da pequena expectativa de vida.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Profissão de fé

Por conta de um curso de roteiro cinematográfico mergulhei na leitura de vários livros sobre o assunto.
Um deles foi o "Conversas com Almodóvar".
Até esse momento não terminei o livro, mas uma coisa que eu supunha, se confirmou pelos relatos do craque espanhol da película: ser diretor de cinema é uma profissão de muita fé.
Porque ser diretor de cinema, que tanto na Espanha como por aqui nem profissão é considerado, é muito fácil.
Tudo começa com uma idéia.
Daí você mesmo ou um roteirista conhecido seu tem que colocar a idéia em forma de roteiro.
Então você entra num edital do governo ou bate de porta em porta até levantar um, dois milhões de reais de algum empresário amante do cinema ou das isenções fiscais.
Feito isso, você convoca uma equipe técnica completa e um elenco dispostos a trabalhar por amor à arte.
Escolhe as locações, monta o cronograma e se responsabiliza por todos os detalhes das diárias de filmagem, que vão do mal humor do protagonista ao buffet que serve as refeições no set.
Terminada a filmagem, passa à montagem, edição, mixagem, etc.
Enquanto isso, um produtor vai negociando alguma exibição da sua cria, seja no cinema, tv, internet ou ao menos algum festival de cinema independente lá dos cafundó.
Então, se tiver sorte, você e sua família não serão os únicos a testemunhar sua genialidade na sétima arte, catapultando-o do anonimato para as páginas de revistas especializadas e de repente, uma entrevista no Jô na madrugada de sexta para sábado.
Convenhamos, não é das tarefas mais fáceis conceber um filme.
Se você que tem pretensões nessa praia conseguir materializar ao menos um curta, sinta-se realizado.
O Almodóvar fez bem mais do que isso, mas ele é hour concours.
Não porque seja gênio, visionário, predestinado.
Ele é tudo isso e ainda um apaixonado, obcecado por cinema.



Almodóvar: fala pouco e faz muito