quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Abaixo a indoor city

Alguns dias atrás o pessoal aqui do escritório reproduziu uma cena de um comercial de automóvel onde todo mundo fica maravilhado com um mísero pôr do sol.
Foi um pôr do sol muito bonito mesmo, de um tom que raramente vi nessa metrópole sem horizontes.
Mas ainda assim um mísero pôr do sol.
Não, eu não perdi a poesia.
Apenas constatei o quanto estamos carentes da poesia da natureza.
A gente constata isso quando, apreciando o horizonte no mar, longe das buzinas, sente a força da maré refrear o sangue nas veias.
Mas confesso que não sou da praia nem do mato.
Me considero bicho adestrado, bem adaptado ao viveiro urbano.
O problema é a qualidade do viveiro que nos oferecem.
Por exemplo, adoro andar a pé, mas raramente o faço aqui, seja pelo desconforto do transporte público ou pela pressa de cumprir vários compromissos num dia.
Outro motivo é a falta de vocação pedestre de São Paulo.
Calçadas estreitas, quase sempre sujas ou batizadas com dejetos caninos, escassez de praças, de parques, e pródigas em miséria e mendicância.
O pedestre paulistano é um refugiado em sua própria cidade, castigado pela escassez de calçadões, passarelas, linhas de metrô e respeito dos motoristas.
O organismo urbano sofre de trombose, com suas vias coaguladas de carros e pessoas ansiosas por chegar ao seu destino.
Se a vida na grande metrópole é solitária, um dos motivos é sua carência de mobilidade, que impede a exploração livre de pessoas e cantos ocultos.
São Paulo precisa de menos apartamentos e mais espaços públicos, para a gente não ficar com a impressão de que habitar uma cidade é transitar por casulos.
Anseio pela construção de mais linhas de metrô, fura-filas, bondes, calçadas e boulevards.
Com uma chave a menos no bolso, a do carro, teremos uma cidade mais escancarada para todos.









domingo, 23 de setembro de 2012

De olhos bem fechados

Estou longe, mas muito longe de ser um engajado.
Acho que nem tenho conhecimento político e econômico para debater medianamente os problemas brasileiros.
Faço parte de um contingente que não se interessa ou talvez ache improdutivo discutir o chove no molhado que se tornou a vida pública brasileira.
Mas isso não me exime de me preocupar com o baixo nível de envolvimento dos cidadãos com aquilo que lhe diz diretamente respeito.
Se você sai de casa todo dia numa cidade como São Paulo, já se depara com inúmeros problemas que são consequência de uma ingerência dos recursos públicos de dar vergonha.
Engarrafamentos, poluição, miséria, a eterna sensação de insegurança, só para citar algumas das chagas urbanas que deixam a rotina mais dura pra todos nós.
Dá raiva imaginar que os recursos que poderiam constar no orçamento de algumas soluções são quase sempre mal empregados ou desviados corruptamente.
É chato ir e voltar ao eterno debate, mas deixar o assunto morrer pode ser pior.
Já me acostumei a ouvir um "vamos mudar de assunto" toda vez que tentei inserir na conversa de almoço a pouca aprazível pauta da política.
É inevitável se sentir um mala por apenas reclamar e não fazer nada para mudar.
Não participo de ONGs, não distribuo panfletos, não engrosso passeatas, não sou médico solidário, não ajudo em base comunitária de porra nenhuma.
Sou apenas mais um brasileiro indignado com esse eterna gana de levar vantagem, que parece ser uma doença congênita de quem nasce por aqui.
Vivemos num país de espertos, que não vão largar as tetas enquando a vaca gorda der leite.
Pena.
Esse maré de crescimento econômico camufla a estagnação do sistema, que depende de reformas para realizar mudanças profundas na sociedade.
O país está melhorando sim.
Mas e a consciência do nosso povo, melhora na mesma medida?
Para mim as pessoas estão se lambuzando com uma euforia passageira.
E brasileiro de barriga cheia é um perigo.
A tendência é deitar na rede para curtir uma leseira e deixar o trem-bala da mudança real passar.
De olhos bem fechados.




sábado, 15 de setembro de 2012

A educação

O Clint Eastwood, em uma entrevista, disse que os maricas surgiram a partir do momento em que as pessoas começaram a procurar um sentido para a vida.
Achei engraçado, mas pensei comigo "Então o que o machão ainda procura fazendo filmes com mais de 80 anos de idade?".
Quer se divertir, mas decerto também quer dar algum sentido à sua vida, não?
Acho que desde que se descobriu consciente do maior mistério que o cerca, o homem quer sim, por mais abstrato que isso seja, dar sentido à sua breve passagem.
E quanto mais a gente busca respostas na vida, nos livros, nas artes, mais temos a impressão de que o ponto de interrogação só aumenta.
Mas isso não é impecilho pra se viver bem.
Ao contrário, acho que quanto mais compreensão, ou melhor, incompreensão, mais isso nos liberta.
É como se desistindo de obter o impossível, a gente resolve cuidar do que resta, de preferência das coisas mais importantes.
Quem me inspirou a escrever sobre isso foi minha mãe.
Quando lecionava numa fazenda perto de Bauru, nos tempos em que professor da escola pública ainda tinha algum respeito - antes do Maluf - minha mãe serviu com dignidade no papel de educadora de crianças.
Ela me disse que além das aulas, ainda tinha que dar expediente preparando a merenda e até fazendo a faxina da sala de aula.
Às vezes até libertando um ou outro aluno do flagelo de uma infestação de piolhos.
Pois é, minha mãe, fiel à sua vocação e dentro de seu limite de compreensão da vida, pode ter ajudado a lapidar a sensibilidade em algumas pequenas almas.
Obrigado mãe, pai e a todos os meus mestres.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Porque eu não gosto do UFC

Nunca fui de briga.
Ok, saí no pau com irmãos e às vezes exagerei, mas sabe como é irmão, conhece nossas feridas e sabe cutucá-las como ninguém.
Mas fora de casa, lembro que me meti em um ou outra confusão na adolescência e só.
Teve vezes em que me senti covarde ao não comprar a briga de algum colega, mas enfim, a chance de um garoto franzino e sem o cacoete da luta como eu se dar mal, era grande.
Antes pensava se ter fugido da briga poderia fazer falta lá na frente, se a ausência de cascudos deixaria minha couraça emocional mais frágil.
Depois a gente descobre que há várias maneiras de moldar seu caráter e não necessariamente passam pelo corredor do pronto socorro.
Há decepções amorosas, profissionais, medalhas que deixamos de ganhar, vestibulares que não passamos, investimentos que deram prejuízo, assaltos, um sem número de reveses mais do que suficientes para testar sua tenacidade.
Para mim, que não pratiquei arte marcial alguma, nem mesmo um batismo de judô, conversas sobre lutas nunca passaram de curiosidade.
Assim também considero o MMA.
As pessoas ficam histéricas às vésperas de uma grande luta do UFC, principalmente envolvendo super-campeões como Anderson Silva.
Sei que mexe com nossos sentimentos mais baixos, mas sinceramente, há muitas formas de expurgar meus demônios.
A subjugação física fica inclusive aquém da psicológica, essa sim uma violência que deixa cicatrizes mais profundas, mas ao menos não no rosto ou na coluna.
Só porque a violência nesse "esporte" está dentro das regras, não quer dizer que eu vá aprová-la.
Aliás, eu desconfio daqueles que quase salivam ao comentar como um lutador arrancou os dentes de seu oponente ou lhe fraturou a clavícula sem dó.
Isso eu acho normal no Macarrão, no serial do Realengo, na Sra Yoki.
Mas até tu, Brutus?

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Quando tudo conspira

Falar desse assunto para mim é indigesto, já que sou palmeirense desde que me conheço por espermatozóide - desculpa, mãe, mas isso herdei do pai.
Ainda bem que o assunto é só um pretexto.
Me refiro a esse empate sintomático que os gambás arrancaram na Bombonera, que é a perfeita tradução da conjunção favorável dos astros.
Só um time que está "caminhando nas nuvens" poderia conseguir um gol aos 40 do segundo tempo, no primeiro toque na bola de um novato - ok, que varou o meu verdão com dois tentos no último domingo, mas isso é outra história.
Do outro lado, Viatri, um atacante vindo de contusão e que também havia acabado de entrar, contrastava com a bem-aventurança de Romarinho, acertando a trave numa cabeçada que poderia ser a redenção do Boca.
Enfim, à parte o bom esquema defensivo de Tite - pragmático e vencedor, mas que não me agrada - o Corinthians deverá se sagrar campeão da Libertadores menos por brilho do que por um fator que vai além das quatro linhas: a vontade do cara lá de cima.
Os gambás estão com a macaca.
E não digo que já ganhou por acreditar em destino.
Me refiro à leitura do momento.
Saber se as condições de temperatura e pressão nos favorece ou não - e utilizar esse dado a favor - é algo que não se aprende nos livros.
Isso o Corinthians soube fazer o campeonato inteiro, nunca se expondo em demasiado, esperando o momento certo de dar o bote.
Ou seja, quando se está em estado de graça, basta um pouco de cautela para só colher os frutos.
Já quando a maré está para tsunami, o resguardo é a atitude sensata.
Como o surfista que perdeu a prancha e não conseguindo voltar a nado, se deixa levar pela correnteza para encontrar a saída para a praia.
Dizem que quando pressentem a zica no ar, os chineses nem saem de casa.
Certíssimos.
Contra energia negativa, não há argumentos.
Não confunda persistência com teimosia.
Renda-se aos fatos.
Já se você sente que é o seu momento, apenas não hesite em esticar a perna na direção da bola.
O capricho dos deuses adora gol de canela.


quarta-feira, 20 de junho de 2012

Ar fresco


Essa imagem aí de cima de uma pessoa com os braços abertos tomando vento na cara é um dos maiores clichês da publicidade.
Tipo assim, 11 entre cada 10 anunciantes já utilizaram imagem desse naipe para passar idéias como liberdade, bem-viver, saúde, etc.
Ou seja, fresh ar que de fresh não tem nada.
Mas quando estou no escritório, travado em alguma tarefa ou embotado em pensamentos, nada como pegar o elevador e dar uma voltinha lá embaixo, em busca de ar fresco, que na nossa cidade está cada vez menos oxigenante.
Só que a culpa não é só dos escapamentos ou chaminés.
A falta de oxigênio vem de um mundo cada vez menos inspirador também, com o perdão do trocadilho.
Eu sei, viver desse jeito, com contas de mais e tempo livre de menos, é limitante.
E a rotina,você sabe, é aquele buraco que a gente cai e não sai mais.
Mas desculpe, eu sou teimoso.
Mais do que isso, sou romântico.
Não quero me conformar com esse mundo sabor de isopor.
Prezo a originalidade, a chama instigante que não se conforma com a reprodução barata.
Mais Federer e menos Nadal.
Mais Neymar e menos Paulinho.
A eficiência é ótima para os lucros, mas é insuficiente para os nossos corações.
Ok, a vida é cíclica, a moda é vintage, o mundo é um museu de grandes novidades.
Mas o dever de aprender duas línguas ou acompanhar a bolsa não pode excluir a poesia.
Não deixemos que os sonhadores virem pandas.
Que a gente não respire por hábito, mas respire fundo por legítima inspiração.


domingo, 17 de junho de 2012

Menos, tá?

Outro dia o super-atleta Neymar estrebuchou no gramado durante uma paralisação do jogo Santos x Corinthians, válido pelas semifinais da Libertadores.
Mais do que o esgotamento físico, Neymar acusou seu limite humano diante do papel que tem tentado cumprir nos últimos tempos, o de ícone do super-mega-blaster-nato talento futebolístico brasileiro.
Há quem o acuse de involuntariamente ter incorporado o mascote em carne e osso da próxima Copa do Mundo, rivalizando com os melhores jogadores pelo posto de rei do futebol.
Mas Neymar é apenas mais um ótimo jogador brasileiro, com lugar garantido entre os 11 do escrete nacional, mas ainda assim só mais um entre os 11 da engrenagem.
Sua fama além da conta se deve ao marketing, interessado em reverter em vendas os produtos associados ao herói nacional do momento.
Alguém poderia perguntar: qual a novidade?
Nenhuma, mas nem por isso deixo de suscitar a discussão: não estaríamos exagerando na valorização da imagem?
Neymar sempre afirma jogar por gosto, mas sua agenda de compromissos publicitários somada às cobranças dentro de campo, deixam pouco espaço para o romantismo.
Mas ora, quem hoje em dia se interessa pelo romantismo?
Até mesmo o romance perdeu o romantismo.
O que vemos é cada vez mais gente apaixonada pela própria imagem.
Seja nas capas de revista, nos escritórios, nas redes sociais, nos eventos esportivos e culturais, em qualquer palco ou palanque.
Em qualquer meio, há um movimento de espetacularização da vida que têm feito muito mal ao ego humano.
O ser normal já não basta, o que leva a uma insatisfação crônica, já que, humano que somos, não estamos conseguindo arcar com uma agenda sobre-humana.
Estrela de cinema sorriem mesmo com joanetes latejando em sapatos apertados.
Jogadores, como se não bastasse a cobrança por performance esportiva, se desdobram em compromissos sociais.
Pessoas comuns fazem esforço para sair do lugar comum, seja lá o que for isso.
Pois a felicidade é um sorriso interno e não há câmera que possa captar o que se passa por dentro.
Felicidade predispõe entrega e vulnerabilidade, o admitir de nossas limitações perante o próximo.
Nada contra se orgulhar dos próprios feitos.
Orgulho e vaidade fazem parte do jogo.
Mas é preciso ser mais comedido na exposição da própria persona, sob risco de vivermos uma eterna mimese da realidade.
Pode cantar, batucar, desfilar, postar, à vontade.
Só não exagere na dose.





domingo, 27 de maio de 2012

Falando sobre Kevin

Confesso que tenho medo de filmes de terror.
O meu temor tem mais a ver com o sobrenatural e menos com assassinos seriais como Jason.
"Precisamos falar sobre o Kevin" não é filme de terror, mas sobre a gênese de um assassino, e que me deixou perturbado.
O tema "psicopatia" não é novo no cinema e, embora não tenha conhecimento técnico, já debati diversas vezes a respeito.
Ainda assim esse filme me intrigou.
Presumindo que eu saiba um pouco sobre essa patologia, e sabendo de antemão sobre a história, quis verificar como a diretora do filme daria pistas do desenvolvimento de um psicopata.
Apesar de algumas cenas onde temas como rejeição, frieza e despreparo foram abordados, difícil colocar no personagem da mãe toda a culpa pelo ocorrido.
Verdade que algumas pessoas não nasceram para ser pais, mas nesse a personagem de Tilda Swinton cumpre bem seu papel de mãe com a irmã de Kevin.
Talvez todos os problemas anteriores, somados à dubiedade da educação de uma mãe fria e um pai adulador possa ter confundido ainda mais a mente perturbada de Kevin.
Mas tudo isso não justifica e explica o todo, já que em alguns momentos a mãe tenta uma aproximação com o filho para se redimir.
Ao final estamos tão confusos quanto ela, na procura de um "onde foi que eu errei".
Não há abuso infantil, nem pobreza, nem grandes traumas.
Tudo acontece no seio de uma família de classe média alta americana, com acesso a boa educação e todos os luxos.
A única coisa que falta é amor, e essa falta se prova fatal.

domingo, 20 de maio de 2012

O desejo de ser igual

Houve um tempo em que o mundo ocidental temeu o comunismo.
Ainda teme, mas o fantasma ideológico já foi muito mais assustador.
Lembra antes da chegada do PT ao poder?
Os adversários assombravam com ameaças do tipo "você terá que ceder um quarto da sua casa a um militante vermelho".
Pois é, o PT venceu, se mostrou tão corrupto quando os outros, e a dialética comunismo versus capitalismo se dissolveu, vide o sucesso comercial da comunista China.
Do ponto de vista sócio-econômico, ainda vivemos uma desigualdade abismal.
Mas no plano ideológico, nem tanto.
O capitalismo do mundo globalizado e principalmente emergente, trouxe a reboque uma sociedade não igualitária, mas igual.
Igual nos hábitos de consumo, no jeito de pensar, na opção pelo óbvio.
Não que não exista a distinção, até porque o culto à celebridade virou indústria.
É que agora a bola da vez parece queimar nos pés, de tão rápido que passa.
Outro dia mesmo só se falava em Messi nas páginas de esportes.
Mas bastou a desclassificação do Barcelona na Champions para desmascarar a humanidade do semi-deus argentino.
Estrelinhas de novela passam como cometas pelo horário nobre, assim como sucessos musicais do tipo chiclete desgrudam dos ouvidos com uma facilidade impressionante.
Mas isso estaria acontecendo mesmo em maior escala ou é apenas uma suposição de blogueiro sem assunto?
Que a humanidade sempre buscou seu lugar ao sol, não é nenhuma novidade.
Que 7 bilhões de pessoas brigando por um espaço que, pelas previsões do aquecimento global, tende a diminuir, acirra a disputa, é constatação óbvia.
Então é natural concluir que a passagem do bastão tende a se acelerar.
Dentro dessa perspectiva, valerá a pena queimarmos anos de nossa vida em esforços por um ideal?
Observando o pessoal por aí, começo a suspeitar que não.
Para ficar no exemplo do mercado de trabalho, já não vejo tanta gente disposta a repetir os yuppies dos anos oitenta.
Talvez porque a geração atual seja justamente a dos filhos daqueles.
Talvez porque hoje a promessa de sucesso se reduziu a isso, uma promessa.
Não vejo nenhum problema nesse, digamos, conformismo.
Apenas temo que as grandes corporações - como se dizia das ameaças comunistas - esvaziem o valor do indivíduo, em detrimento de um falso discurso igualitário.
Porque esse "conformismo" - e porque não dizer "desejo" - em ser mais um, infelizmente não leva a uma sociedade mais igualitária, principalmente aqui no Brasil, onde os interesses de uma minoria ainda ditam as cartas.
Como disse Alain de Bottom em uma palestra sobre "Meritocracia", precisamos buscar maneiras alternativas de partilhar o pão, porque a divisão de talentos e recursos não é igualitária, ou seja, o mundo não é mesmo justo.


terça-feira, 6 de março de 2012

Uma palavra sobre Guga

Era uma semana normal de trabalho na agência em 1997 quando me passarem um job despretensioso. Eu tinha que fazer anúncios assinados por um patrocinador que queria capitalizar cada vitória de um desconhecido tenista brasileiro, que estava vencendo jogos inesperados no torneio de Roland Garros. Para quem não sabe, Roland Garros é um Grand Slam, um dos quatro mais difíceis torneios do mundo, onde para ser campeão você precisa vencer 7 jogos em melhor de 5 sets, consecutivamente até o título. São 128 jogadores e, quando o torneio afunila, não é raro o tenista passar 3, 4 horas na quadra para liquidar uma partida. Pois então, Guga era apenas o 66º jogador do mundo e tinha no currículo só um título de ATP. Muito pouco para credenciá-lo a vencer um Grand Slam. Quando ao final de duas semanas ele venceu o torneio (que viria a ganhar mais duas vezes), eu nem tinha dimensão da conquista. Só mais tarde, quando resolvi pegar em raquetes para treinar incentivado pela febre Guga, percebi a façanha que era um brasileiro triunfar num esporte tão difícil e pouco praticado por aqui como é o tênis. Porque o tênis é mais do que um esporte. O tênis é uma provação física e mental. Arrisco dizer que chega a moldar o caráter. Ok, você poderá dizer que a maioria dos esportes individuais, quando praticados em alto nível, também o são. Ainda assim acho o tênis de uma complexidade ímpar, um esporte para malucos. O tênis é uma gangorra onde os jogadores suplantam o adversário mais pelo esgotamento mental do que pelo físico. E olha que estamos falando de partidas que podem durar até 6 horas. Não fosse assim não haveria livros que fazem analogia entre o jogo mental do tênis e a própria vida. Guga, órfão de pai quando menino e irmão de um rapaz excepcional, deve ter canalizado sua frustração em raquetadas que o levaram ao Hall da Fama da história tênis, condecoração anunciada esta semana. Isso tudo sem deixar de ser um dos mais carismáticos tenistas, querido pelos colegas e amado pelas crianças. Guga era gênio, sim. Mas nem por isso suas conquistas não deixam lições aos pobres mortais. Pois como todo campeão de tênis sabe, por mais perdida que pareça a peleja, num átimo a gangorra pode mudar de lado. Ou seja, nunca, jamais, deixe de confiar em você.

domingo, 4 de março de 2012

O importante e o urgente

Sei que é brega, mas gosto dessas frases de auto-ajuda, dessas que você encontra nos mica-cards da Johnnie Walker. Dizem que os provérbios populares traduzem a filosofia para o povo, é uma sabedoria pronta para consumo rápido. Sem entrar nesse mérito, acho que essas frases ajudam a pensar, a tomar decisões. Outro dia ouvi de um empresário que a vida é uma pista de aeroporto, não leva a lugar nenhum, portanto o que nos resta é acelerar. Isso me pareceu tendencioso, já que esse empresário é daqueles workaholics que querem convencer seus subordinados a acompanhar seu ritmo. Mas com essa e mais algumas exceções, há várias frases e aforismos que trazem ensinamentos válidos. Lembro daquela que mais ou menos diz "eu tomei o caminho menos percorrido e isso fez a diferença". É parecida com aquela "só os peixes mortos nadam com a correnteza". Gosto daquela dita por William Wallace, "Todo homem morre, mas nem todo homem vive". Eu sei, é brega, mas nem todo mundo tem uma trilha de auto-incentivo como Rocky Balboa. Eu só tenho frases e elas não foram feitas para mim, apenas tomo posse das que me ajudam. Como aquele pensamento que diz que na pressa de resolver o urgente, acabamos esquecendo do importante. Pois é, eu não quero me esquecer do importante, então faço uso das minhas frases emprestadas da sabedoria popular para todos os dias escolher bem minhas prioridades. Mas claro, não levo tudo a sério assim. Pois como dizia Steve Jobs, "Stay foolish".

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Mi San Pablo querido

Neste último carnaval fugi da festa. Não como a cruz foge do diabo, foi um pouco involuntário, mas acabei indo pra Buenos Aires, pela terceira vez. Gosto da capital argentina e não compartilho do ódio aos hermanos, nem acho-os "nariz empinado". É natural que os habitantes de qualquer cidade muito turística nutram uma relação de amor e saco cheio com os forasteiros. E Buenos Aires tem uma baita vocação turística, avenidas e calçadas largas, edifícios imponentes ao estilo europeu,respira ares que justificam seu nome. É justamente esse bem viver que atrai tantos paulistanos como eu, cansados de levar porrada da cidade onde vivem. Esses maus tratos ficam evidentes quando você chega em uma capital sul-americana de porte numa sexta-feira e encontra o caminho do aeroporto ao centro completamente livre. E durante o trajeto do transfer, ouve a guia alertar sobre cuidados com trombadinhas e golpes com notas falsas com uma ênfase que beira o melodrama, e reage com um desdém de gato escaldado. Esse alerta se justificaria mais tarde, quando um taxista tentou enganar um amigo meu e levou um dedo na cara e uma coleção de insultos que deve fazê-lo repensar suas estratégias de extorsão. Mas naquele momento de chegada, só pensei que a guia "só poderia estar brincando" ao advertir paulistanos sobre os perigos das ruas. Cheguei a quase puxar minha carteirinha de assaltado, me gabando de que nesse assunto, nós paulistanos somos hor-concours. Basta você andar um pouco de táxi e conversar com os ladinos motoristas portenhos, para observar que ao passo que eles se orgulham de sua cidade e de seu passado glorioso, nós só temos a nosso favor o câmbio e o propalado boom econômico brasileiro. Mas cidadania não se constrói com dinheiro e, quem já esteve aqui e lá sabe que estamos a anos-luz de civilidade dos portenhos. Aquele ar melancólico de um país que esteve com um pé no primeiro mundo e não cacifou, dissimula um orgulho de morar sim no pedacinho mais europeu fora do velho mundo. Enquanto isso, nós brasileiros continuamos a cair no oba-oba da propaganda oficial, que ainda insiste em espalhar aos quatro ventos que somos o país do futebol, das mulheres e praias mais belas, e agora, da quinta economia do mundo. Eu trocaria tudo isso por ruas mais livres e limpas, melhor transporte público, segurança e gentileza, para ficar só na comparação que compete a um turista. Não vou comparar níveis de corrupção e saúde pública, porque são chagas comuns a países sul-americanos. Mas também não vou me eximir de auto-crítica pela passividade com que aceitamos viver uma vida porca. No coração de Buenos Aires, a Plaza de Mayo, aquela onde as mães ainda protestam pelo desaparecimento de seus filhos na ditadura, você vê uma cerca móvel de ferro, usada pela polícia para conter manifestantes. Justa e propositadamente, um dos maiores pontos turísticos da cidade é maculado pela lembrança do sofrimento argentino, passado e atual. É um preço pequeno a pagar por uma vida mais decente, provavelmente conquistada por cidadãos que não se curvam aos desmandos de bandidos, dentro ou fora do governo.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Seria o cérebro um alien?

Quando fui à Flip no ano passado, uma das poucas palestras a que assisti foi a do Miguel Nicolelis. Um dos poucos, senão o único palestrante cientista, em meio a dezenas de autores de ficção. Miguel surpreendeu com suas pesquisas e projetos para o desenvolvimento do exoesqueleto humano, capaz de fazer deficientes físicos recuperarem suas capacidades motoras. No paralelo, tive uma conversa com meus amigos a respeito do poder do cérebro. Levantamos a hipótese de ser um órgão com vontade própria, que age à revelia dos nossos comandos e racionalizações. Que fique claro que isso foi conversa de leigos, sem base em conhecimentos de neurologia, psiquiatria ou qualquer ciênca que nos pudesse demover de delirar com o assunto. Pois dentro da nossa ignorância ficamos discutindo se não seria o cérebro um sabotador de decisões do nosso livre arbítrio, exercendo uma função de manutenção do status quo. De acordo com a nossa "teoria", o cérebro teria uma programação de função auto-defensiva, que nos demoveria de tomar atitudes que ameaçassem nossa "sobrevivência" até então. O que chamo de "sobrevivência" corresponderia a continuar repetindo a mesma programação cerebral de sempre, para expor o menos possível a saúde cerebral e todo o resto do corpo. Mas teria o cérebro a capacidade de agir assim, deliberadamente, à revelia de nossa vontade consciente? Bem, sabemos o quanto é difícil sair da rotina, mudar, quebrar o hábito. Num livro sobre estratégias, soube que empresas deixaram e deixam de lucrar muito mais por sua dificuldade em promover pequenas porém potencialmente traumáticas mudanças internas. Mudar às vezes exige atitudes que vão contra nossas mais caras convicções. E embora saibamos que não se pode obter resultados diferentes com a mesmas variáveis, teimamos em tomar os mesmos remédios para velhos problemas. Ou será que o que não nos deixa tomar novos rumos seria esse inimigo interno chamado cérebro? Diriam que é fácil culpar os outros e, no caso, os outros moram logo aí no sótão - hellô-ôu? Ou seja, se você é chamado ou se chama tantas vezes de cabeça dura, a culpa não é da caixa torácica e sim do alien gosmento que a habita. Deve ser por isso que dizem que algumas das decisões mais importantes da vida devem ser tomadas com o coração e não pelo cérebro. O cérebro joga na retranca, é uma espécie de Parreira do seu corpo, recuando qualquer ímpeto mais audacioso para garantir o zero a zero. Mas convenhamos, zero a zero é um placar muito aquém das expectativas que qualquer um. Claro que na grande maioria das vezes o cérebro nos provê de resoluções práticas sem as quais nossa vida seria um caos ainda maior. Mas tenho quase certeza que em decisões capitais esse alien interno nos faz de meros súditos de seus arroubos tirânicos. O cérebro nos dá carta branca para tarefas automáticas de subsistência, mas é um juiz implacável de nossas tentativas de inovação. Tá certo que o cérebro é o zelador do corpo humano. Mas o fato de morar na cobertura não lhe dá o direito de vetar as obras de que o seu corpo e principalmente sua alma, podem estar urgentemente precisando.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Vivos

Quando saía do escritório hoje, alguns colegas que iam jantar para retornar à labuta, me convidaram para fazer o mesmo. Apesar de estar com o prazo do meu atual projeto se esgotando, declinei do nada apetitoso convite, sabendo que uma noite de sono poderia fazer mais pela minha produtividade no dia seguinte. Pude me dar a esse luxo por não estar com nenhuma sangria desatada, e principalmente, por me conhecer. Chegando em casa, liguei a tv e deparei com uma reprise do filme "Vivos". Para quem não sabe, é o relato verídico sobre os sobreviventes da queda de um avião nos Andes, que levava um time de rugbi uruguaio para uma partida no Chile. Em resumo, os passageiros tiveram que comer até carne humana para sobreviver aos 72 dias que ficaram à espera do socorro. O salvamento só chegou ao local graças à bravura de dois dos sobreviventes, que andaram mais de 100 km pelo deserto branco na esperança de alcançar a civilização. A certa altura da caminhada, quando um dos dois avista a cordilheira sem fim pela frente, ele diz, exausto "nós vamos morrer, não vamos?". Ao que o outro responde "não sei, mas se tivermos que morrer, será andando". Pensei comigo, pimba, acertei em ter voltado para casa. Principalmente porque ficar no escritório, apesar de minha responsabilidade, não é algo por que eu morreria. Longe disso. Aliás, há bem poucas coisas da vida pela qual vale a pena morrer. Um pai morreria por seu filho, por exemplo. Fora isso, há infinitamente mais razões para viver mesmo. Não li o relato de Nando Parrado, um dos que foram buscar o salvamento. Decerto deve descrever o quanto essa trágica experiência mudou sua mentalidade. Mas 99.8% de nós - ou algo próximo - não passará por um evento de quase morte antes de chegar o dia da dita cuja. Corremos risco sim é da experiência da morte em vida. E não me refiro, por exemplo, ao sentimento do final de um relacionamento. Faço menção ao tédio, ao marasmo, ao viver sem propósitos. De alguma forma o acidente foi um ponto de inflexão na vida dos 16 sobreviventes do avião, principalmente dos que foram buscar a salvação. Por cima das montanhas, decerto eles conseguiram enxergar um horizonte muito mais claro para suas vidas dali para frente. À grande maioria de nós, que não precisaremos galgar uma cordilheira por nossa sobrevivência, resta conseguir enxergar esse horizonte mais produtivo por cima dos obstáculos do dia a dia. A não ser que se opte por sentar e esperar salvamento. Já eu prefiro fazer côro às palavras de Nando Parrado: "se tivermos que morrer (ou metaforicamente, presenciar um projeto pessoal morrer), será andando".

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

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Na adolescência, meus pais me criticavam quando me viam introspectivo na companhia de um livro. Eles nunca foram leitores, portanto achava natural que preferissem me ver fazendo qualquer outra coisa. Eu nem era um leitor do tipo devorador, tampouco seletivo, lia best-sellers em doses homeopáticas e olhe lá. No entanto, o gosto pela leitura acabou definindo muito do que sou. Pra começar, abandonei uma faculdade de computação por uma de comunicação, me tornando um redator publicitário. Uma profissão que, embora mine as horas livres de quem a exerce, se alimenta de referências, em especial livros. Mas não quero me ater ao aspecto utilitário da leitura. A leitura, embora promova o refinamento da expressão falada e escrita, é mais do que uma ferramenta para atingir o sucesso profissional. As melhores obras literárias na verdade ajudam você a viver. Não digo que o livro substitua a prática, o "se jogar no mundo". Na prática, a leitura não passa de teoria. Mas muitas vezes, uma teoria formulada por quem viveu ou imaginou a vida no seu aspecto mitológico, na versão mais "cutucando a ferida" da história humana. Já se falou que "está tudo nos clássicos". E embora eu não seja a melhor pessoa para comprovar isso- li poucos -, sei que clássicos são assim chamados por trazer verdades fundamentais e atemporais. Não quer dizer que qualquer um que leia, por exemplo, "Romeu e Julieta", experimente uma epifania durante a leitura. Mas para cada um deve existir pelo menos um grande livro que seja transformador. O problema é que hoje não só falta tempo como também espaço para esse tipo de leitura, que requer instrospecção e reflexão, aflorar. Está difícil conciliar pocket-books com uma agenda cheia de atividades fast-food. Mas o perigo de viver a 20 twittadas por minuto é não perceber que podemos estar vivendo errado. Talvez uma vida que não escolhemos, voltada para o externo, o superficial. É aí que a leitura pode ajudar. Ela estimula um saudável debate interior entre você e seus conflitos. É paradoxal, mas um livro de ficção pode justamente nos tirar de nossas fantasias paralisantes. Pode prover o insight que falta para nos acordar. Experimente, ou experimente mais. Livro é uma solidão que vale a pena.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Começo de ano

Ok, ok, vão dizer que eu sou um pessimista, um baixo astral. Mas começo de ano, a bem da verdade, é um porre. Para quem ficou na praia, ok, balançar o gelo no copo com o pé na areia até que não é nada mal. Mas quem começou a trabalhar em ponto morto, tentando embalar na banguela, sabe do que eu to falando. Chega no escritório e encontra mais dezenas de colegas como você, se arrastando no carpete. Chega na mesa, a mesma papelada que você deixou ali alguns dias atrás, no meio dela contas e mais contas com vencimento em janeiro. O trabalho pendente também continua ali, à espera da solução adiada. Grande parte dos seus projetos pessoais para 2011 continuam em aberto, esperando que você os renove ou simplesmente descarte pelo ralo da consciência. Seu corpo, ainda no fuso horário das festas de fim de ano, só começa a despertar lá pelo meio dia, quando já é hora de incumbí-lo da difícil digestão do almoço - depois de judiá-lo recentemente com toneladas de pernis, perus, castanhas e panetones. Na volta da academia, a percepção de que o trabalho de meses foi jogado fora na mísera última semana do ano. No todo, a constatação de que você tem muitas pendências a cumprir e talvez não haja tempo, pois logo logo tem carnaval e na folhinha, oba, constam muito mais feriados que no ano passado. Tá certo que inventaram o calendário, fazendo lembrar que mundo dá muitas voltas, para que a gente não ficasse na inércia da linha contínua do tempo, empurrando o destino com a barriga. E isso acaba iludindo os bobinhos, deixando-os mais esperançosos e felizinhos. Mas convenhamos, começo de ano é uma enganação. Estão aí as vinhetas da Globo anunciando todos os filmes de 2009 e 2010 como se fossem estréias, que não me deixam mentir. Por isso, não se cobre tanto só porque 2011 não cumpriu nem com 30% das suas expectativas. Relaxe e goze, ou pelo menos, só relaxe. Deixe a tarefa de te cobrar para os boletos do IPTU, IPVA, matrícula e material escolar e tantas outras contas da época, que fazem lembrar que o 13º salário também foi uma ilusão.