domingo, 2 de maio de 2010

Imagem

Numa das minhas raras leituras sobre filosofia, um assunto que me chamou a atenção foi a substituição, nos dias de hoje, da doutrina da salvação em Deus pela salvação no próprio homem.
Pelo que entendi, antes as pessoas buscavam acalmar suas almas na promessa redentora de uma vida após a morte. Hoje, muito mais descrentes, elas procuram o aconchego na afirmação de seu individualismo.
De fato, o individualismo passou a ser a religião de 9 entre 10 almas solitárias, em detrimento do culto religioso original.
E apesar do desenvolvimento da personalidade ser essencial para uma vida saudável, o pessoal tem passado do ponto e exagerado no culto da própria imagem.
Longe aqui de querer fazer apologia religiosa.
Muito pelo contrário. Fui batizado na igreja católica, cresci frequentando a budista, mas na contabilidade de horas-missa estou devendo a Deus.
Só estou constatando que o culto da própria imagem talvez não esteja levando nossas almas para um lugar tranquilo. Não tem contribuído para elevar o espírito.
É fácil verificar isso onde esse comportamento é exacerbado, por exemplo, entre personalidades do cinema, esportes e show bizz.
Entre esse povo, fica evidente que a busca pelo olimpo e a briga para ali permanecer produz resultados desastrosos.Modelos anoréxicas, astros suicidas, atrizes decadentes que se tornam estrelas pornô, e por aí vai.
Guardadas as proporções, esse comportamento também se reproduz entre nós mortais.
No mundo corporativo, por exemplo, mais importante que fazer é vender bem o que você fez, mesmo que esse feito não seja tão digno de nota.
Ou no jargão do business, network é muito mais importante que o work.
Não fosse assim profissionais como assessores de imprensa, o personal stylist, o coach, não estariam tão valorizados.
Na vida pessoal, a galera também têm exagerado.
A preocupação excessiva com o corpo é o mais evidente, desde a ênfase no emagrecimento, na construção de corpos siliconados, até plásticas que transformam pessoas de carne e osso em aberrações a la Michael Jackson.
O que também incomoda e até irrita é a galera que nunca perde a pose.
São aquelas pessoas que vestem a carapuça do personagem e não saem dele, o que provoca a sensação frustrante de nunca conhecê-las de fato.
São aqueles indivíduos que você nunca vai chamar para um chopp, sabe?
Porque se você chamar , eles vão ficar o tempo todo tentando se vender para uma platéia de cinco gatos pingados em vez de todos juntos morrerem de rir de si mesmos.
Claro que ninguém está imune a preocupação consigo mesmo, de querer melhorar e tal.
A gente sabe que auto-estima é importante, assim como vaidade, inveja e orgulho são sentimentos humanamente compreensíveis e perdoáveis.
Só acho que o exagero no culto do sucesso não tem ajudado ninguém a viver melhor consigo mesmo, nem a conviver melhor.
E não digo isso sem também fazer minha auto-crítica.
As vezes também me preocupo além da conta em preservar uma certa imagem.
E depois acabo achando que é uma grande bobagem.

sábado, 1 de maio de 2010

Mundo mais chato

Eu já devo ter escrito sobre como o mundo ficou mais chato globalizado, mas enfim, é um tema recorrente pelas evidências cada vez mais frequentes.
Outro dia fui à Casa da Rússia, uma lojinha na Vila Madalena que vende lembrancinhas daquele país - especialmente aquelas bonequinhas que saem uma de dentro da outra, as matrioshka - e constatei que, caso eu viaje para lá, não há mais porque encher as malas de souvernirs na volta, estão todos ali.
Lembrei também de uma loja de Paris, a Pylones, que vende zilhões de presentinhos para turistas, e que há pouco tempo era atração de amigos que voltavam encantados de Paris. Pois bem, com todo esse sucesso não demorou para abrirem um quiosque da Pylones ali mesmo no Shopping Iguatemi.
Invertendo a rota, se você for para países que há algum tempo eram culturas fechadas, como a China, vai constatar a invasão da cultura ocidental em lojas do McDonald´s, da Zara e outros ícones capitalistas.
Pode ser saudosismo de alguém que está ficando velho, mas, mesmo não sendo consumista, lembro com saudades de uma viagem que fiz com minha mãe para o Paraguai, nos meus 11, 12 anos de idade.
As condições da epopéia eram péssimas: viagem de ônibus, saindo na sexta e voltando no domingo, 12 horas para ir e igual sofrimento para voltar.
Mal o ônibus chegava em Puerto Strossner - era o nome da cidade na época - você largava as malas vazias no hotel e já se punha na rua para uma maratona ininterrupta de compras até o sol se pôr.
Começando pelos relógios Casio, tênis chinês de sola verde e game boy (da época, sem cartucho) do Paraguai e terminando carregado de torrones, calças Fiorucci, alfajores e cashmere da Argentina - para quem não se lembra, ali fica a divisa dos três países, Brasil, Paraguai e Argentina.
Hoje eu não toparia passar por todo esse sofrimento para voltar carregado de quinquilharias eletrônicas de que não preciso.
E mesmo que precisasse, tudo agora está a alguns quilômetros, nos shoppings de coreanos e chineses da Paulista, cujos estandes lembram muito Puerto Stroesner. Só que sem a exclusividade, o charme, e o friozinho na barriga de passar pela alfândega na volta, carregando aquele walkman escondido entra a cueca e a calça, rezando para chegar são e salvo com meus troféuzinhos que pouca gente tinha, na bagagem.