domingo, 10 de maio de 2009

A pessoa da foto

Outro dia estava mostrando fotos da minha viagem a China que fiz em 1998 a um amigo quando ele fez uma observação que me intrigou. Disse que eu estava diferente e eu obviamente achei que se referia aos 11 anos de juventude que perdi de lá para cá. “Não é isso”, falou, mas também não conseguiu me explicar. Eu dei de ombros, mas, reflexivo que sou, mais tarde comecei a tentar entender o que meu amigo tinha enxergado na foto. Peguei o instantâneo e fiquei olhando para mim mesmo sentado nas escadarias da Grande Muralha, ao lado do Marcelo, colega de trabalho na época. Vendo assim de fora, de uma posição distante no tempo e no espaço, eu intuí que meu amigo de fato tinha visto outra pessoa naquela foto. Porque eu também estava vendo um estranho, de certa forma. Claro que quase tudo que nós somos, trazemos dos recônditos da infância, das primeiras impressões da vida e isso não muda. Mas os anos também acrescentam e eliminam muita coisa em nossas personalidades e comportamentos. Só que essas mudanças são algumas vezes imperceptíveis, principalmente se você se olha todo dia no espelho. Olhei para aquele sujeito, eu mesmo há 11 anos, e fiquei pensando na minha vida desde então. Quais tinham sido minhas escolhas, se havia obtido êxitos, no que tinha fracassado. E também no que poderia ter me tornado se a trajetória tivesse sido diferente. Por exemplo, se na volta para o Brasil tivesse decidido me tornar um andarilho, um hippie, o oposto do publicitário que me tornei. Por esses dias estava discutindo com a minha terapeuta a respeito de liberdade. Se era verdade mesmo que o leque de escolhas que temos hoje representa uma avanço de liberdade em relação a época dos nossos pais. Ela disse que não, que isso é uma ilusão que nos tentam vender para encobrir o fato de que vários fatores limitam a gama de escolhas associada a vida moderna. De fato teoricamente hoje temos mais opções de carreira para seguir, lugares ao redor do globo para morar, mais oferta de informação e de oportunidades. Teoricamente, pois na mesma medida exercer essa liberdade de escolha é muito difícil. Alcançar algum êxito em qualquer atividade exige constância e tempo, e poucos são capazes de jogar para o alto o que foi conquistado com suor para seguir, por exemplo, um sonho de adolescência. Porque também precisamos separar desejo de necessidade, vaidade de vocação verdadeira. Ao escolher viver em sociedade, aceitamos padrões de convivência e busca de valores comuns a nossos semelhantes. É uma concessão que fazemos para ser aceitos e queridos por pessoas que nos rodeiam e que “pensam como nós”. Divergir dessa conduta, a certa altura da vida, é visto como atitude de moleque. Isso não quer dizer optar pelo conformismo sempre que uma vozinha interior clamar por mudanças. Ainda preservo em mim uma atitude contestatória a respeito de minha vida e principalmente do modelo social que a mídia vende o tempo todo. Sei que há um cinismo por trás dos interesses de uma economia de mercado. Por isso minha maior busca é pela lucidez, saber-se parte de um sistema, mas não ser escravo dele. Há 11 anos atrás, aquele rapaz da foto tinha muito menos dúvidas sobre suas escolhas do que o cara que digita este texto. Afinal,estava de férias no exterior graças a uma aposta de carreira que julgava acertada. Hoje, se perdi aquela ingenuidade saudável, ganhei em sabedoria para discernir o que faço e porque faço. Assim minhas escolhas, ainda que não totalmente livres, podem ser no mínimo mais conscientes.

Um comentário:

  1. Adorei o texto... Me fez pensar na minha vida e nas minhas escolhas... Escolhas certas, escolhas erradas... Escolhas desgastadas...

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