segunda-feira, 18 de maio de 2009

Cada segundo como se fosse o último

Pentelha veio ao mundo numa tarde quente e abafada de verão. Assim como 99.999% dos indivíduos de sua espécie, seu nascimento passou despercebido, pois com exceção das lagartixas e sapos, quase ninguém presta atenção à eclosão de um ovo de drosófila. Do ponto de vista humano, drosófilas só vêm ao mundo para dedurar aquele que largou um pedaço de fruta ao léu ou esqueceu de jogar o lixinho da cozinha. Mas Pentelha nasceu determinada a mudar essa história. Queria provar que sim, uma drosófila pode deixar sua marca na vida - e não estamos falando daquele pontinho preto mergulhado num prato de sopa escaldante. Durante sua curta duração - do ovo à fase adulta, uma drosófila vive em média 12 dias -, Pentelha planejava ganhar o mundo ou pelo menos o quintal da casa onde nascera, se não desse tempo de ir mais longe. Saiu pela janela da área de serviço e ao receber rajadas de vento no rosto, se sentiu a mais livre das moscas. Não imaginava que o mundo pudesse ser tão vasto, colorido, encantador. Desejou viver intensamente cada segundo e, se não fosse tomar seu já escasso tempo, contar aos netos. A vida estendia os braços para Pentelha e ela queria mergulhar de asas abertas. Mas antes, sentia que precisava de uma reserva extra de energia. Por isso mirou uma casca de melão na boca de um latão de lixo e pousou para uma refeição ligeira de drive-thru. Era o néctar dos deuses. Ávida que estava por sensações novas, Pentelha não pode se privar de outras iguarias que encontrou dentro do latão. E havia de tudo um pouco: vidro de maionese com restinho, garrafinha de iogurte, embalagem delivery de comida chinesa, etc. Compreensível, já que para ela nem o arroz com feijão era rotina. E quando Pentelha se viu saciada, sua barriga a ponto de explodir, percebeu que não mais poderia alçar vôo. Em vez de fazer história, seus últimos dias não seriam muito diferentes da vida de qualquer outra drosófila. Nada que tirasse o largo sorriso de Pentelha. Porque os dois cantos de sua boca estavam lambuzados com restinhos de delícias que ela levaria para o túmulo: geléia de morango e feijoada.

Um comentário:

  1. Que gracinha esse texto! A princípio achei engraçado e depois me vi uma pentelha kkk desejando viver intensamente cada segundo...
    Adorei!

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