domingo, 24 de maio de 2009

O potencial de uma folha em branco

Sulfite era uma folha de papel em branco. Veio ao mundo assim, branquinha, vazia, sem graça. Igualzinha a duzentas outras folhas que faziam parte daquele pacote Chamex , estocado na prateleira de uma Kalunga da vida. Desde que fora parida de um viçoso eucalipto, Sulfite ansiava por um futuro brilhante. Era uma verdadeira sonhadora e suas colegas procuravam desencorajá-la, sabendo que o destino não reservava grande coisa para uma folha de papel. Grande parte acabaria na impressora de um escritório modorrento, esperando a hora de virar um relatório, uma petição ou um layout. Outro montante dedicaria sua vida ao ensino, como folhas para anotações em sala de aula, quando não se tornavam aviõezinhos, bolinhas de papel e recadinhos amorosos. Poucas folhas terão a sorte de uma vida longa e amarelada na prateleira de uma estante, como página de livro. Menos ainda se eternizarão em manuscritos de grandes obras da literatura. Algumas ficarão agradecidas ao serem enquadradas na parede, com títulos de doutor, bacharel, comendador e outras honrarias que os homens tanto valorizam. Mas a maioria vai ter que se contentar em virar folhinhas de recado, para depois serem amassadas e jogadas no lixo. E ai de quem não exercesse bem sua função. Na outra encarnação poderia voltar como caderno de classificados, folheto imobiliário, papel de pão ou papel daquele tipo, argh, você já sabe. Mesmo sabendo de tudo isso, Sulfite conservava a esperança de um destino acima de todas as expectativas. E de certa forma, era uma postura coerente diante de sua potencialidade de folha em branco, de sua condição de tábula rasa. Foi assim que contrariando todos os prognósticos, Sulfite teve seu momento de glória. Colada nas costas de um executivo, com a mensagem "Chute-me" grafada em seu corpo, Sulfite provocou gargalhadas de uma grande platéia - e uma demissão - em sua nova e já bem sucedida carreira de humorista.

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