Chamar de vida era até elogio para aquela sucessão de dias rigorosamente iguais por que Adolfo Rodrigues passava sem deixar marcas. Casado, três filhos, há vinte e cinco anos supervisor de vendas da mesma empresa e frequentando o mesmo círculo de amizades desde a infância. Seu casamento com Miriam sempre foi de aparências, arranjado pelos pais de ambos com a esperança de ver acender no futuro o fogo entre as duas moscas mortas. Mas que nada. Se dormiram juntos três vezes, foi muito. E não fizeram o enorme esforço em vão: desses acidentes de percurso nasceram os três filhos. Três varões cuja natureza “devagar, quase parando” não negava sua herança genética. Se Adolfo era frio com a mulher, com os filhos era quase um estranho. Deles, não esperava nada além de tomar-lhe a mão para a benção e compartilhar a oração antes das refeições. E claro, enxergava seus rebentos como seus sucessores naturais na Fixa Pregadores de Roupa, a empresa mais antiga da cidade. Onde seu pai, o pai do pai, o pai do pai do pai, quem sabe até Adão teria trabalhado. Pois foi no dia em que o filho mais velho estreou na Fixa como estagiário que Adolfo teve a idéia de, no caminho de volta para casa, entrar numa livraria. Um livro da prateleira de ficção logo chamou sua atenção. Começou a folhear “O Condenado” por curiosidade e logo ficou entretido com a curiosa história. A lenda de um cavaleiro medieval que havia sido condenado por uma bruxa a viver dias sempre iguais através de várias encarnações até que…Adolfo começou a tremer. Seus olhos mal podiam acreditar no texto que lia: “…até que, em sua última encarnação, o ex-cavaleiro entra em uma livraria, acha um livro que conta a história de todas as suas vidas e se liberta da maldição da bruxa”. Na hora Adolfo tem um treco e é levado para um hospital, onde fica em estado de coma. Mesmo desenganada pelos médicos, sua família continua a visitá-lo diariamente na esperança de ter Adolfo de volta. Adolfo seguiria imutável, mas não sua mulher e filhos. Uma verdadeira reviravolta acontecera na família. A mãe arrumou um namorado 20 anos mais novo. Um filho se tornou piloto, o outro montou uma banda e o terceiro se tornou cineasta. Todos os dias, além de flores, a família trazia novidades para Adolfo, que mesmo de olhar perdido parecia sorrir com os relatos. De fato, depois do feitiço quebrado, seus dias nunca mais foram os mesmos.
Imagina, condenado a viver dias sempre iguais, e quando percebe que essa triste vida irá mudar... tadinho, fiquei com pena dele. O Adolfo não poderia ter acordado e vivido também?! Seus dias nunca mais foram iguais, foram bem piores... Ai Marcelo, hoje vc está cruel... kkk
ResponderExcluirBjsss
Ontem postei um assunto que me fez lembrar de vc. E hoje até surgiu um comentário que não gostei muito.. kkk dizendo que os publicitários não pensam muito... éca! Dá uma olhadinha lá. Bjsss
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