terça-feira, 30 de junho de 2009

Do que a gente não conhece

Nesse vasto mundo de tanta diversidade, diferenças culturais e riqueza de experiências, não me atrevo a versar sobre assunto que ignoro. Incrível que um desses temas seja a fome. Porque nossa experiência fisiológica deveria nos autorizar a falar com conhecimento sobre ela. Mas não me refiro àquela fome que por algumas horas nos incomoda vez ou outra. E sim sobre a fome verdadeira, de não ter o que comer por dias, dessas de tentar se enganar para conseguir cair no sono. Esse flagelo que atinge grande parte da humanidade, passa ao largo da nossa vidinha de morador de Manhattan que ignora os famintos do Bronx. Esse assunto, a fome, me veio à tona alguns dias atrás, lendo matéria sobre o novo documentário do José Padilha, "Garapa". De acordo com a reportagem, o diretor foi ao sertão nordestino atrás daquelas famílias miseráveis que tomam carne de calango por filé mignon. Registrou depoimentos de quem chega a dar mamadeira de água com açúcar para crianças, na falta de leite - a tal garapa que dá título ao filme. Na entrevista, defendeu o assistencialismo do Bolsa Família, argumentando que se até empresas privadas recebem recursos governamentais para se manter de pé, é coerente que seres humanos também tenham acesso a essa tábua de salvação. Ainda não vi o filme do Zé Padilha, mas concordo com ele. Não por ser petista ou por qualquer outra bandeira ideológica, já que o projeto Bolsa Família, com outro nome, teve início no governo FHC. Mas por não querer colocar em discussão algo que tem caráter urgente e pragmático como matar a fome de milhões de pessoas. Ontem, descendo pelo elevador aqui do escritório, presenciei funcionárias do café chique do prédio levando embora os doces que não foram vendidos e que deveriam ser devolvidos ao depósito, provavelmente para serem jogados fora. Sugeri que aqueles doces apetitosos fossem doados a crianças de instituições de caridade, que com certeza se lambuzariam com tamanha fartura de guloseimas. Aí me lembrei daquela lei besta que impede doações de comida perecível para que não provoquem mal-estar digestivo em necessitados. Ora, quer pior mal-estar digestivo do que a fome? A gente vê absurdos como funcionários do McDonalds jogando fora sanduíches que ficaram na espera 1 minuto a mais do que o previsto pela normas de qualidade. E contrasensos como produtores agrícolas jogando no rio parte da super-safra de tomate para especular sobre o preço do legume no mercado. Some-se a isso, se não me falha a memória, os 30% de alimentos desperdiçados no Brasil em decorrência da má logística de estocagem e distribuição. No frigir dos ovos - ou da falta deles - me parece hipócrita ficar contra qualquer iniciativa, governamental ou não, que leve alimento a bocas famintas sertão afora. Não dá para ficar discutindo assistencialismo quando tem criança por aí enganando estômago com mamadeira de água açucarada.

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