domingo, 24 de janeiro de 2010

A falta de identidade

Li uma vez que a preparação do elenco de Resgate do Soldado Ryan tinha sido feito por um ex-combatente, não lembro se do Vietnã ou da Segunda Guerra.
Ele levou o grupo de atores para o mato e tentou reproduzir com eles a rotina dos soldados no front.
A certa altura, perguntou aos atores o que eles sentiriam caso fossem soldados e vissem um colega ao lado ser abatido em combate.
As respostas foram mais ou menos de mesmo teor: pena, tristeza, desespero.
Mas o treinador do elenco retrucou com um categórico "não, vocês sentiriam alívio por não terem sido vocês".
Em uma situação extrema como numa guerra, é compreensível que o instinto de preservação prevaleça e que os outros fiquem mesmo em segundo plano.
Mas eu quis reproduzir esse relato porque suspeito que hoje as pessoas andem apavoradas pelo medo de ser esquecidas.
Ainda que nossas vidas não aconteçam num campo de batalha, a dureza da competição dos dias de hoje leva a uma perda de identidade gritante.
Antes, na época dos nossos pais e avós, as pessoas tinham um lugar no mundo.
O sujeito ficava a vida inteira na mesma empresa, onde recebia o reconhecimento e o carinho dos colegas.
Em seu bairro, era amigo dos vizinhos, frequentava o mesmo clube de todos, sua ausência era sentida na pelada do campo de várzea ou nas partidas de truco do bar.
Até sua vida familiar reproduzia essa estabilidade e os casamentos em geral duravam uma vida.
Mas esse modo de existir parece ter ficado no passado.
O sentido de auto-preservação num mundo cada vez mais competitivo distanciou as pessoas e as pessoas dos seus valores fundamentais.
É estranho como aos poucos vamos perdendo nossa capacidade de nos sensibilizar.
Com o colega que foi demitido, com o mendigo na rua, com o motoboy que pilota na chuva.
Não sei se como reflexo de suas próprias atitudes, a verdade é que as pessoas estão cada vez mais sozinhas.
Não fosse assim fenômenos como as redes sociais e os reality shows, onde as pessoas buscam um reconhecimento pela auto-exposição, não seriam um estrondoso sucesso.
Até a indústria do videogame, que hoje fatura mais que o cinema, tira proveito da necessidade das pessoas se sentirem heroínas por um dia, ainda que através de um avatar.
Mas tudo isso, assim como dinheiro e sucesso, não criam uma identidade.
Identidade ainda é alcançada pelos mesmos valores de nossos antepassados: família, amizade verdadeira, amor, realização profissional, caráter, serenidade.
Mesmo que hoje as regras de mercado inevitavelmente influenciem nossas escolhas, é preciso separar o joio do trigo.
Senão corremos o risco de ficarmos eternamente emulando uma vida de sucesso, reproduzindo um modelo que não escolhemos, mas que foi vendido para a gente.

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