quinta-feira, 9 de julho de 2009
Regresso
Por pouco Roberta não passou batida pela antiga entrada da cidade, a placa de bem-vindo estava com suas letras pintadas desgastadas, quase ilegíveis. A nova entrada ficava logo adiante e era marcada por um pórtico brega, naquele estilo indefinível que os arquitetos chamam de neoclássico. Mas Roberta fez questão de pegar a entrada velha, que conservava a estradinha de paralepípedos da sua infância. Em 50 anos, pouco mudara. Reconhecia algumas árvores centenárias e na praça principal o coreto ainda parecia pulsar com batidas de surdo e toques de metais. Depois que se mudou com sua família para o exterior, as lembranças de Rosalina foram se diluindo até virar uma tela em branco, que agora ela reconstituía com todas as cores do passado. Se alojou na pensão de Ermínia, agora tocada por sua filha pois a mãe falecera há bons anos. Mal colocou as malas no quarto, vestiu-se despojadamente e saiu andando sem rumo, debruçando seu olhar em cada metro quadrado. Em três dias de peregrinação, passou pelos botequins, nas casas dos amigos da família, conversou com quem estava sentado nas praças. Soube de quem morrera, de quem casara e tivera filhos, de quem como ela havia saído da cidade sem deixar rastro. E claro, foi até sua antiga casa, agora ocupada por um orfanato dirigida por freiras. Qual não foi sua surpresa quando encontrou a admnistradora da entidade, a irmã Paula. Paula, sua grande amiga do colégio, a mais bela e sedutora da escola, talvez da cidade. Conversaram longamente, Roberta contou sobre sua carreira de correspondente internacional de televisão. Paula confessou resignada que depois de desventuras amorosas, encontrara enfim as paz nos braços do Senhor. Despediram-se, Roberta tomou o rumo da pensão, onde suas malas já a esperavam na recepção. Carregou o jipe, abraçou a filha de Ermínia e seguiu seu rumo de volta a São Paulo. Na saída de Rosalina, olhou de relance a velha placa de entrada, agora pelo verso, e imediatamente encostou o carro. Chegou perto para ver, ainda legível, algo escrito nas costas da placa: seu nome grafado com letra de criança, datado de meio século atrás. Com a chave do carro, voltou a riscar seu nome embaixo com a nova data ao lado, agora numa orgulhosa grafia de adulto. Com duas datas sobrepostas, a placa virou uma lápide, a enterrar seu último dia na cidade natal. Roberta então sentou-se ao volante e foi embora sorridente, já pensando na netinha que a esperava a milhares de quilômetros dali.
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Legal, gostei! Me senti lendo aqueles romances que não conseguimos desgrudar até ver o final... E dá pra imaginar tudinho, tem bastante detalhes, eu adoro isso. Por quê vc não escreve um livro? Vc tem muita criatividade, imaginação fértil!!
ResponderExcluirBjss