terça-feira, 7 de julho de 2009

O aristocraque



Ernesto Alvarenga Albuquerque Andrade de Orleans e Bragança III logo enxergou em seu rebento recém-nascido a aura de craque. Fechou os olhos e viu o pequeno Juninho em sua primeira montaria, um pônei, empunhando o taco como uma extensão de seu bracinho e conduzindo a bola sobre o gramado com maestria precoce.
Foram três anos de expectativa e muitas cavalgadas na sela com o pai, até o dia em que Ernestinho adentrou pela primeira vez o clube de pólo para seu batismo de fogo. E quando a bola escapuliu do jogo e veio de encontro a Juninho já de taco na mão, o mundo presenciou o surgimento de um gênio. Sob olhar estupefato e decepcionado de Ernestão, seu filho desmontou o puro sangue ganho de presente naquele dia, largou o taco, levantou a bolinha de pólo com os pés e emendou uma sequencia de embaixadas com direito a paradinha na nuca, com um talento quase extraterrestre.
Os cavalos estacaram para que os cavaleiros saudassem o novo mini-craque do futebol, pela primeira vez egresso da mais alta aristocracia.
O pai caiu num desgosto profundo. Amaldiçou e açoitou o cavalo, mandando o peão da fazenda dar cabo dele.
Esperançoso de reverter a situação, Ernesto afastou o garotinho de qualquer contato com o esporte bretão. Não permitia a entrada de bolas em casa, bloqueou os canais de futebol na tv, entre outras medidas preventivas. Mas a proibição surtiu efeito oposto, pois o menino improvisava uma bola com qualquer objeto, lapidando ainda mais sua habilidade.
Inevitavelmente um olheiro acabou descobrindo e levando Ernestinho para um grande time, depois que este chorou um mês seguido, vencendo a esperança do pai de vê-lo pelo menos como um médico respeitado.
Por sua origem aristocrática, Ernestinho foi um jogador atípico. Convencido a adotar um apelido, não aceitou o "Netinho" sugerido e acabou ficando com um mezzo gringo, mezzo brega codinome "Ernest".
Ernest não se misturava, pois tinha hábitos e gostos completamente avessos aos dos outros jogadores. Em vez de pagode, música clássica. No lugar de truco, gamão. Em vez de loiras falsas do funk, austríacas da valsa.
Na concentração fazia questão de ficar na suíte presidencial e viajava sozinho em sua limusine, com a sensação de que o ônibus do time fazia sua escolta.
Mas fazer o quê, Ernest comia a bola. Ou melhor, degustava, como convém aos cavalheiros de boa estirpe. Tanto que chegou a ser cogitado para jogar no Milan e na Inter, mas como nobre bem-nascido, preferiu o Real.
Quando foi convocado para a Copa, o mundo viu o rapaz aristocrata envergar o manto verde-amarelo como a capa de um rei.
Na decisão, todo o talento de Ernest não impediu que o time chegasse aos minutos derradeiros em desvantagem no placar. Mas para variar sua estrela brilhou quando cruzou a boa na área e o juiz apitou penalti num toque de mão inexistente.
Ernest ajeitou a bola, a gola da camisa de linho, as meias de seda, o calção e partiu para um chute seco e elegante, de bico fino. Tão compenetrado estava que não notou a entrada em campo de um cavalo desgovernando montado por um policial, que fazia a segurança da beira do gramado.
A bola foi defendida pelo cavalo quando este passava na frente do gol, e o juiz deu prosseguimento ao jogo, até o apito final e comemoração de título pelos alemães. Ernest virou bode expiatório, execrado naquele replay de maracanaço que colocou o estádio de luto.
O aristocraque nem notou o olhar satisfeito e vingado do mesmo cavalo que foi trocado por uma bola naquele fatídico debut no campo de pólo.

Um comentário:

  1. Nossa Senhora!! Que final trágico... tadinho...
    Adorei, me prendeu... estava curiosa!!
    Bjss

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