quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Abaixo a indoor city

Alguns dias atrás o pessoal aqui do escritório reproduziu uma cena de um comercial de automóvel onde todo mundo fica maravilhado com um mísero pôr do sol.
Foi um pôr do sol muito bonito mesmo, de um tom que raramente vi nessa metrópole sem horizontes.
Mas ainda assim um mísero pôr do sol.
Não, eu não perdi a poesia.
Apenas constatei o quanto estamos carentes da poesia da natureza.
A gente constata isso quando, apreciando o horizonte no mar, longe das buzinas, sente a força da maré refrear o sangue nas veias.
Mas confesso que não sou da praia nem do mato.
Me considero bicho adestrado, bem adaptado ao viveiro urbano.
O problema é a qualidade do viveiro que nos oferecem.
Por exemplo, adoro andar a pé, mas raramente o faço aqui, seja pelo desconforto do transporte público ou pela pressa de cumprir vários compromissos num dia.
Outro motivo é a falta de vocação pedestre de São Paulo.
Calçadas estreitas, quase sempre sujas ou batizadas com dejetos caninos, escassez de praças, de parques, e pródigas em miséria e mendicância.
O pedestre paulistano é um refugiado em sua própria cidade, castigado pela escassez de calçadões, passarelas, linhas de metrô e respeito dos motoristas.
O organismo urbano sofre de trombose, com suas vias coaguladas de carros e pessoas ansiosas por chegar ao seu destino.
Se a vida na grande metrópole é solitária, um dos motivos é sua carência de mobilidade, que impede a exploração livre de pessoas e cantos ocultos.
São Paulo precisa de menos apartamentos e mais espaços públicos, para a gente não ficar com a impressão de que habitar uma cidade é transitar por casulos.
Anseio pela construção de mais linhas de metrô, fura-filas, bondes, calçadas e boulevards.
Com uma chave a menos no bolso, a do carro, teremos uma cidade mais escancarada para todos.









domingo, 23 de setembro de 2012

De olhos bem fechados

Estou longe, mas muito longe de ser um engajado.
Acho que nem tenho conhecimento político e econômico para debater medianamente os problemas brasileiros.
Faço parte de um contingente que não se interessa ou talvez ache improdutivo discutir o chove no molhado que se tornou a vida pública brasileira.
Mas isso não me exime de me preocupar com o baixo nível de envolvimento dos cidadãos com aquilo que lhe diz diretamente respeito.
Se você sai de casa todo dia numa cidade como São Paulo, já se depara com inúmeros problemas que são consequência de uma ingerência dos recursos públicos de dar vergonha.
Engarrafamentos, poluição, miséria, a eterna sensação de insegurança, só para citar algumas das chagas urbanas que deixam a rotina mais dura pra todos nós.
Dá raiva imaginar que os recursos que poderiam constar no orçamento de algumas soluções são quase sempre mal empregados ou desviados corruptamente.
É chato ir e voltar ao eterno debate, mas deixar o assunto morrer pode ser pior.
Já me acostumei a ouvir um "vamos mudar de assunto" toda vez que tentei inserir na conversa de almoço a pouca aprazível pauta da política.
É inevitável se sentir um mala por apenas reclamar e não fazer nada para mudar.
Não participo de ONGs, não distribuo panfletos, não engrosso passeatas, não sou médico solidário, não ajudo em base comunitária de porra nenhuma.
Sou apenas mais um brasileiro indignado com esse eterna gana de levar vantagem, que parece ser uma doença congênita de quem nasce por aqui.
Vivemos num país de espertos, que não vão largar as tetas enquando a vaca gorda der leite.
Pena.
Esse maré de crescimento econômico camufla a estagnação do sistema, que depende de reformas para realizar mudanças profundas na sociedade.
O país está melhorando sim.
Mas e a consciência do nosso povo, melhora na mesma medida?
Para mim as pessoas estão se lambuzando com uma euforia passageira.
E brasileiro de barriga cheia é um perigo.
A tendência é deitar na rede para curtir uma leseira e deixar o trem-bala da mudança real passar.
De olhos bem fechados.




sábado, 15 de setembro de 2012

A educação

O Clint Eastwood, em uma entrevista, disse que os maricas surgiram a partir do momento em que as pessoas começaram a procurar um sentido para a vida.
Achei engraçado, mas pensei comigo "Então o que o machão ainda procura fazendo filmes com mais de 80 anos de idade?".
Quer se divertir, mas decerto também quer dar algum sentido à sua vida, não?
Acho que desde que se descobriu consciente do maior mistério que o cerca, o homem quer sim, por mais abstrato que isso seja, dar sentido à sua breve passagem.
E quanto mais a gente busca respostas na vida, nos livros, nas artes, mais temos a impressão de que o ponto de interrogação só aumenta.
Mas isso não é impecilho pra se viver bem.
Ao contrário, acho que quanto mais compreensão, ou melhor, incompreensão, mais isso nos liberta.
É como se desistindo de obter o impossível, a gente resolve cuidar do que resta, de preferência das coisas mais importantes.
Quem me inspirou a escrever sobre isso foi minha mãe.
Quando lecionava numa fazenda perto de Bauru, nos tempos em que professor da escola pública ainda tinha algum respeito - antes do Maluf - minha mãe serviu com dignidade no papel de educadora de crianças.
Ela me disse que além das aulas, ainda tinha que dar expediente preparando a merenda e até fazendo a faxina da sala de aula.
Às vezes até libertando um ou outro aluno do flagelo de uma infestação de piolhos.
Pois é, minha mãe, fiel à sua vocação e dentro de seu limite de compreensão da vida, pode ter ajudado a lapidar a sensibilidade em algumas pequenas almas.
Obrigado mãe, pai e a todos os meus mestres.