sábado, 29 de outubro de 2011

E vai rolar a festa


Você já deve ter tido essa sensação pelo menos em algum longínquo dia da adolescência.
Uma grande festa, show ou evento vai rolar e nada de convite para você.
Ou por ser muito restrita, ou por você não ser um "chegado" do organizador, ou pelo abusivo preço do ingresso, o fato é que seu visto de entrada foi negado.
Sua fantasia de patinho(a) feio(a) lhe cai muito bem nos dias que antecedem o evento.
Mas será isso apenas um complexo de inferioridade trazido à tona pela exclusão?
Ou, melhor dizendo, você é o único culpado pelo seu próprio desconforto?
Suponho que não.
Apesar de nossa natureza gregária, há uma diferença entre pertencer de fato a um grupo e se sentir pertencente.
Algumas modernidades como as redes sociais prometem o pertencimento, mas pecam pela artificialidade.
Fazem menos pelo sentimento de coletividade do que as reuniões de condomínio.
Alguns dizem que as redes sociais aproximaram os que estão distantes e distanciaram os que estão próximos.
Mas mesmo no caso dos que estão distantes, será que substituem, em calor humano e espontaneidade, uma boa conversa ao telefone?
Outro fator moderno que enfatiza a necessidade de pertencimento é a publicidade.
Principal motor do capitalismo, a publicidade bate na tecla do consumo como passaporte de entrada para mundos exclusivos.
Uma ilusão a que mentes despreparadas, principalmente as mais jovens, cai como patinhos.
Naquela fase da vida em que é preciso pertencer desesperadamente, os tênis da moda cumprem o papel de paliativo de ingresso ao seu grupo.
Na verdade a mídia apenas reflete uma cultura deturpada.
Onde valores como honestidade, caráter, lealdade, personalidade são subjugados por malandragem, exibicionismo, mau-caratismo, interesse.
Hoje em dia todo mundo ambiciona estar nas altas rodas, posar de famoso, bem-sucedido, ao lado de celebridades, empresários bem-sucedidos, etc.
Pertencer às elites endossa o meu valor, independente de quão falsa seja essa transferência e do vazio que eu ainda sinta.
Portanto, antes de querer fazer parte de um grupo, é preciso refletir sobre o desejo que o motiva a pertencer.
Pode ser legítimo, motivado pela identificação com seus valores.
Mas também pode ser fabricado, pela necessidade de preencher um vácuo de identidade criado e sustentado pela sociedade decadente.

sábado, 22 de outubro de 2011

Não precisamos

Você chegou da cidadezinha do interior de mala e cuia, com dinheiro contado, porém abastado de fé no futuro.
Morou na pensão perto da rodoviária, de favor na casa de parentes ou amigos, na república com mais 5 ou 6 calouros ou veteranos.
Consegue se formar, arruma seu primeiro estágio, com sorte seu primeiro emprego e pouco a pouco vai provando aos que ficaram na sua hometown que você não estava errado.
Seus sonhos vão se tornando realidade e sua conta bancária cresce proporcionalmente, assim como seu padrão de vida.
Pode não ter se tornado um ícone na sua área, mas é sim um bom profissional e deixou para trás milhares de candidatos que um dia cobiçaram sua posição.
Mas ao mesmo tempo que se sente realizado, tem que lidar com a ambiguidade de querer manter o que conquistou e o desejo de jogar tudo para o alto, para explorar praias ainda virgens da sua vida.
De um lado, novas situações como a formação de uma família, mantém seus pés cravados no chão.
De outro, ter feito a mesma coisa por 15, 20 anos faz você sonhar com novos horizontes, sejam eles profissionais, geográficos e até de estado civil.
Fato é que todo mundo tem a oportunidade, se é que não tem a obrigação, de se questionar a respeito da própria vida, visto que uns 80, 90, 100 anos aqui é tudo que nos foi dado.
Àqueles que chegaram à conclusão de que precisam mudar de rota, deve ser dada a oportunidade do erro, posto que o maior deles é não fazer a tentativa.
E ao partir em direção à nova jornada, que eles reúnam a sabedoria do desapego, para que deixem para trás tudo que foi construído, ou destruído, em tempos passados.
Que eles se lembrem de um tempo longínquo, onde os dias eram preenchidos com tardes livres, peladas com os coleguinhas, bolinhos de chuva e beijos de boa noite.
Onde não havia negociação de mesada e ninguém precisava ter bicicleta do ano.
É só parar para pensar para concluir que não precisamos de quase nada a mais do que já tínhamos naquela época.
E que mesmo no auge da maturidade, uma nova infância é sempre possível.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Como os heróis devem morrer.



Steve Jobs se foi.
Um gênio, visionário, revolucionário.
Sem querer me estender em sua trajetória, consequências mercadológicas de sua morte ou mais do que se comentou hoje, me concentro em um detalhe que me chamou atenção: a devoção dos fãs.
Era de se esperar que fizessem vigília nas portas das lojas como em tantos lançamentos de produtos da maçã.
Com buquês de flores deixados, velas virtuais em telas de iPads e outras demonstrações de carinho.
Mesmo assim me surpreendeu como um empresário do setor de tecnologia se despediu assim, com status de popstar.
Provou que Jobs está mais para um artista dos nossos tempos, um Van Gogh das telas de cristal líquido que convidam a pinceladas efêmeras e colaborativas.
Sua despedida acalorada faz todo o sentido para gerações que cresceram na internet, desfrutando de interfaces cada vez mais inteligíveis, que aproximaram o homem da máquina ao mesmo tempo em que distanciaram os homens entre si.
Além de tudo Jobs se foi relativamente cedo, aos 56 anos.
E se não foi por overdose de drogas, sucumbiu à doença mais terrível, da qual nem o mais rico ou famoso consegue escapar.
Pode não ter quebrado quartos de hotel, dormido com groupies ou espancado namoradas e esposas.
Mas fez algo mais difícil, deu personalidade a frios gadgets e voz a legiões de nerds, que enfim podiam declarar sua idolatria a um igual, sem medo de bulying.
O difícil agora vai ser o inquieto Steve descansar em paz.