sexta-feira, 16 de abril de 2010

Um quintal, por Danuza Leão

Abaixo transcrevi um texto da Danuza como um agradecimento aos meus pais por terem me criado num quintal com goiabeira.


Quando uma pessoa começa a melhorar de vida, pensa logo em comprar uma boa casa. E o que é uma boa casa? É preciso um jardim e uma piscina, imaginam os pais. Eles querem para as crianças uma infância saudável, com confortos que nunca tiveram, mas não pensam no principal: um quintal.
Um quintal não precisa ser grande, e o chão deve ser de terra batida. Nele deve haver algumas árvores que não pareçam ter sido plantadas, mas sempre existido. Um abacateiro e uma goiabeira, de goiaba vermelha, são fundamentais. No fundo, um galinheiro tosco, com uma porta quebrada, para que as três ou quatro galinhas possam correr quando alguém quiser pegá-las. Nenhum computador levará uma criança ao deslumbramento que ela terá ao encontrar um ovo e segurá-lo, ainda quentinho. É o mistério da vida nas mãos dela, mais absoluto e mais simples do que qualquer livro de filosofia.


Um dia, a cozinheira avisa que vai matar uma galinha para o molho pardo. Os meninos pedem para ver a cena trágica; a mãe não quer, mas a empregada, acostumada, com o facão na mão, facilita. Se a galinha tiver dentro da barriga aquele monte de ovinhos, aí a lição de morte – e de vida – será ainda mais completa. E mais lições serão aprendidas quando alguém sugerir fazer uma peteca com as penas mais duras e algumas palhas de milho.
Mas será que alguém sabe do que estou falando?


Voltando: esse quintal deve ser meio abandonado, mas muito limpo; duas vezes por dia a empregada, cantando bem alto, dá uma varrida. É importante também que haja um tanque para lavar o pé de alguma criança quando ela pisar descalça numa porcaria, e um varal com pregadores de roupa de madeira. Nesse lugar, não vai ter horta nem pomar organizado. Em compensação, é bom que exista do outro lado do muro uma enorme mangueira para que se possa praticar o melhor crime do mundo: roubar as frutas do vizinho. Nos fundos de um quintal, deve haver também uma touceira de bananeiras ou bambus e, claro, um adulto dizendo sempre para tomar cuidado, pois ali pode ter uma cobra. Não há infância que se preze sem medo de cobra.
Quando as goiabas começam a crescer, fica todo mundo de olho até a primeira delas estar no ponto para ser arrancada e mordida ali mesmo, sem lavar. E que sensação terrível quando se vê o bicho da goiaba se mexendo. Aí, sem que ninguém precise dizer nada, você começa a aprender que a vida é assim: ou se compra uma goiaba bonita, mas sem gosto, ou se espera com paciência ela amadurecer no pé até desfrutar o supremo prazer de dar aquela dentada – com direito a bicho e tudo.


Mas o tempo voa.
De repente você se sente só, abre o caderno de telefones e percebe sua pouca afinidade com os nomes que estão lá, que tem vivido uma vida que não tem nada a ver e começa a procurar um sentido para as coisas.
Não encontra resposta, claro, mas um dia está no trânsito, vê um terreno baldio, se lembra daquele quintal no qual não pensa há anos e percebe que essa é a lembrança mais importante e mais feliz de sua vida. E passa a olhar o mundo com a superioridade de quem tem um tesouro guardado dentro do peito, mas ninguém sabe.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

No avião com Danuza

Tem gente que gosta daqueles livros de aventureiros que cruzaram oceanos em barquinhos, escalaram o Everest, etc. Eu também li o livro do Amyr Klink há uns 20 anos atrás e gostei na época- sorte que a gente evolui.
Mas ainda prefiro os livros de viagem da Danuza Leão.
Gosto porque são descompromissados porém bem escritos, apesar de que o único propósito da escritora parece ser relatar seu prazer em viajar, como jornalista que é.
Danuza viaja com estilo, sempre se hospedando em bons hotéis, comendo em bons restaurantes, enfim, se presenteando o tempo todo com mimos.
Mesmo resvalando na peruice, não chega a ser coisa de socialite, somente de quem apenas quer curtir uma viagem com tudo a que se tem direito.
Até porque Danuza não nada em dinheiro, teve carreira de modelo e hoje é colunista da Folha. Ou seja, deve saber valorizar cada real gasto em viagem.
Se dizem que viajar é o melhor investimento que se pode fazer, digo que comprar e ler um livro da Danuza de uma só sentada também é um investimento de tempo e de alguns reais que vale a pena.
E se pra mim ler um livro da Danuza equivale a um tour pela Europa, desconfio que eu devo gostar mesmo de uma avião.
Pena que esse hobby seja tão caro.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

De fora

Tirei três semanas de férias sem viajar, somente pra mudar de endereço.
Não tem muita graça permanecer na cidade onde você trabalha, não dá nem pra desconectar.
Mas como férias são férias, deu pelo menos para parar e pensar na vida.
E o que é mais importante, olhar sua rotina pelo lado de fora.
Eu já me peguei muitas vezes indignado com a rotina de executivo paulistano, desejando ter mais tempo livre para interromper o itinerário casa-trabalho-casa, sem incluir barzinho e cinema aí no meio.
Mas por aqui isso é bem difícil.
Porque não bastaria sair mais cedo do trabalho, mas também o trânsito teria que me deixar sair do escritório.
E para isso, o governo teria que acelerar as obras do metrô até a Vila Olímpia.
Mesmo assim, saindo a pé do trabalho, eu ainda iria deparar com uma cidade inóspita para o pedestre. Onde as ruas não tem calçada decente, iluminação e segurança suficiente e muito menos charme.
Ah, o charme que falta a São Paulo sobra em cidades como o Rio, Barcelona, Paris.
Desconfio que a identificação excessiva do paulistano com o trabalho faz com que a cidade pareça um grande escritório ao ar livre. Ou melhor, uma repartição pública, pois há escritórios bem bonitos e charmosos por aqui.
Porque se o paulistano apreciasse mais ficar a toa, talvez exigisse espaços de lazer em mais quantidade e qualidade.
Os europeus, por exemplo, que no verão saem mais cedo do trabalho, desfrutam de parques lindos e muito bem cuidados para flanar sem culpa.
Mas fazer o quê, isso aqui ainda é um país adolescente.
Ainda precisa ralar muito pra chegar lá.
Vê se cresce e amadurece logo, Brasil.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Raízes

Hoje o Cesar, porteiro do prédio, veio trocar um plugue da minha antiga máquina de lavar roupa, pra eu conseguir ligar a geringonça nessa tomada que é o novo padrão imposto pelo governo - até nessas artimanhas os bandidos conseguem nos tirar uns trocados.
Bom, conversa vai, conversa vem, eu ouço do Cesar, que é do Piauí, a confissão de seu desejo de voltar pra terra natal. Volta que ficou dificultada pela vontade dos filhos, que nascidos aqui preferem por aqui permanecer.
Não é o primeiro porteiro ou zelador que expressa sua vontade de retorno, mais do que justificada pela vida dura de sampa, que castiga até os que têm dinheiro e conforto, quem dirá dos pobres coitados que passam noites frias em guaritas.
Eu, que salvo os laços familiares, praticamente me desvinculei dos laços com minha terra natal, ainda não descartei uma volta para o interior ou fuga para o litoral, pois sei o quanto São Paulo castiga cada vez mais seus filhos adotivos.
Imagino que para o Cesar, o Zé Carlos, o Damião e outros porteiros que vieram de bem longe atrás de sobrevivência, ou talvez de um sonho dourado ou promessa falsa de enriquecimento, já tenha caído a ficha de que a tão apregoada qualidade de vida tenha ficado para trás, lá na terrinha onde nasceram.
Azar de nós, da classe média, que nos viciamos nos pequenos confortos -ou consolos - que São Paulo oferece em bares, restaurantes, casas de espetáculos, em troca de centenas de horas suadas em escritórios-dormitórios da nossa amada cidade.